A Hortaliça

www.hortifruti.org

Bonito, mas não entendo direito.
Edição #037, de 25 de outubro de 2002.
Edição inteiramente dedicada aos canhotos.
... Meu reino por uma mão esquerda.

hortalica@gmail.com

 

"Demócrito jura que os abderitas são mentirosos; mas Demócrito é abderita;
logo, Demócrito mente; logo, não é verdade que os abderitas são mentirosos;
logo, Demócrito não mente; logo, é verdade que os abderitas são mentirosos;
logo, Demócrito mente; logo..."

 

EDITORIAL ou SER BROTOEJA
V.
 

Não sei se algum de vocês já acordou, um dia, morrendo de vontade de ser brotoeja.

Não que isto já tenha ocorrido comigo, claro que não, mas vocês hão de convir que pode acontecer com qualquer um - principalmente os canhotos, por algum motivo que me escapa no momento.

Pois digamos que eu tenha acordado hoje pela manhã, querendo ser brotoeja. Passo a redigir, portanto, um pequeno manual prático de como lidar com o fato de ser uma delas (das gordinhas), para essas emergências que a gente não pode prever.

Capítulo Único

Ser brotoeja requer elegância, e uma certa dose de auto-controle, para não expelir nenhum líquido que não nos seja solicitado. Ser brotoeja é adquirir formas estimulantes, todas bem geométricas, que causem prurido ao serem fervidas ou tocadas. Para ser brotoeja é preciso ter muita humildade, além de aderência e aspecto amarelado, pois uma brotoeja autêntica nunca se preocupa com o que se é, mas com o que se tem por dentro.

Ser brotoeja é nunca tossir em público, porque pega mal. É estar sempre pronta para negociar com as pomadas, oferecendo em troca um tequinho de nhaca e pus, se é que as pomadas realmente apreciam essas coisas. Ser brotoeja é aprender a pulsar, esbranquiçada, principalmente se se estiver bem no centro da testa; é sorrir para as visitas, encarando-as para que nunca tirem os olhos da gente e envergonhem o anfitrião. É ficar pequena quando se tem um pouco de medo, e crescer de maneira abrupta quando ninguém está olhando. Uma brotoeja que se preza nunca sara, nunca some, nunca dorme em serviço. É aquela que subsiste até sem ter onde morar, como um sorriso sem gato, suspensa no éter em meio às borbulhas e as não-coisas, orgulhosa de ser ela mesma - uma senhora brotoeja, a pulsar no nada como se fosse uma estrela, como se nada mais houvesse no mundo senão ser uma brotoeja, sempre inútil, cheia de massa amarela e uma dorzinha incômoda, a existir satisfeita em meio às coisas deste mundo.


:: OBJETOS PERDIDOS ::
por Julio Cortázar, Mendoza - Argentina, 1944

Por veredas de sueño y habitaciones sordas
tus rendidos veranos me acechan con sus cantos
Una cifra vigilante y sigilosa
va por los arrabales llamándome y llamándome
pero qué falta, dime, en la tarjeta diminuta
Dónde están tu nombre y tu calle y tu desvelo
si la cifra se mezcla con las letras del sueño
si solamente estás donde ya no te busco.


:: PARADOXOS ILUSTRES ::
por Jorge Luis Borges, que não é nem mentiroso ou abderita

Em Sumatra, alguém quer doutorar-se em adivinhação. O bruxo examinador lhe pergunta se será reprovado ou se passará. O candidato responde que será reprovado... (Imagine como continua, ao limite da insanidade ou da exaustão).

:: INFORMAÇÕES FALSAS ::
por Bárbara Lopes, alguém particularmente doente

Todo mundo viu aquela história de que o governo americano ia plantar notícias no mundo todo pra melhorar a imagem dele e tal. Agora os caras disseram que não vão mais fazer isso. E se for mentira? Aliás, e se a história de plantar notícias tiver sido mentira? Parece aqueles problemas de lógica: Tem uma superpotência que só fala mentiras, mas é a única que tem. Você tem que descobrir com três perguntas quantos agentes da CIA estão infiltrados na Arábia Saudita.


:: QUE BATIAM FEITO LOUCOS ::
trecho de 62: Modelo Para Armar, de Julio Cortázar.

E posto que se trata de sonhos, quando os tártaros se entregam a sonhos coletivos, matéria paralela à da cidade mas cuidadosamente deslindada porque não ocorreria a ninguém misturar a cidade com os sonhos, o que equivaleria a dizer a vida com a brincadeira, tornam-se de uma puerilidade que repugnaria às pessoas sérias.

Quase sempre quem começa é Polanco: Olha, sonhei que estava numa praça e que achava um coração no chão. Apanhei-o e ele batia, era um coração humano e batia, então eu o levei até uma fonte, lavei-o o melhor possível porque estava cheio de folhas e de poeira, e o entreguei no distrito da rua Abbaye. É absolutamente falso, diz Marrast. Você o lavou mas depois o embrulhou desrespeitosamente num jornal velho e o botou no bolso do paletó. Como é que vai botá-lo no bolso do paletó se estava em mangas de camisa, diz Juan. Eu estava corretamente vestido, diz Polanco, e levei o coração para o distrito e eles me deram um recibo, isso é que foi o mais extraordinário do sonho. Você não o levou, diz Tell, nós vimos quando você entrava em casa e escondia o coração num armário, desses que têm um cadeado de ouro. Imagia só Polanco com um cadeado de ouro, ri grosseiramente Calac. Eu levei o coração para o distrito, diz Polanco. Bem, concorda Nicole, talvez esse fosse o segundo, porque todos nós sabemos que você achou pelo menos dois. Bisbis bisbis, diz Feuille Morte. Pensando bem, diz Polanco, achei uns vinte. Deus de Israel, tinha esquecido a segunda parte do sonho. Você os achou na place Maubert debaixo de um monte de lixo, diz meu paredro, eu vi tudo no café Les Matelots. E todos eles batiam, diz Polanco entusiasmado. Achei vinte corações, vinte e um contando o que eu levei para o distrito, e todos batiam feito loucos. Você não o levou para o distrito, diz Tell, eu vi quando você o escondia no armário. Em todo caso batia, concorda meu paredro. Pode ser, diz Tell, pouco estou me incomodando com o bater. Não há como as mulheres, diz Marrast, que um coração esteja batendo ou não, a única coisa que vêem é um cadeado de ouro. Não vira misógino, diz meu paredro. Toda cidade está coberta de corações, diz Polanco, me lembro muito bem, era estranhíssimo. E pensar que no começo eu só me lembrava de um coração. Por alguma coisa é preciso começar, diz Juan. E todos batiam, diz Polanco. De que lhes podia adiantar, diz Tell.


:: ESMOLA ::
por Alisson Villa

Deu rima a um poeta mendigo,
mas o vagabundo
gastou tudo em textos teóricos

:: EU E VOCÊ, JUNTOS EM PEDERNEIRAS ::
por Válter Ego, grande pessoa.

Pois te conto uma coisa: eu queria cometer um crime, dos mais absurdos, e ir pra prisão de Pederneiras. E não estou brincando. Dizem que as celas de Pederneiras são maiores que o meu quarto, têm grandes pufes, parede estofada, aquecimento central e computador conectado à Internet (banda larga, por Deus). Na cadeia de Pederneiras, os ovos mexidos têm sabor de hortelã, há uma variedade de oito sucos e vitaminas, presuntos e pães de mel, e nos fins de semana você pode encomendar uma pizza por conta da casa.

Na prisão de Pederneiras há luminárias coloridas e bibelôs de elefantinho. Há um quadro de fotos e um espelho de corpo inteiro, banheiros individuais com tapete felpudo e sabonetinhos minúsculos. A pia é de mármore e os vizinhos de cela emprestam todo tipo de creme e perfumes que você solicitar.

Durante os feriados, os detentos de Pederneiras oferecem bailes belíssimos, prestigiados por toda a sociedade local, quando as garotas vestem cor de rosa e os moços dão-lhes ramalhetes frescos e cestas com frutas e fitas de cetim, para que voltem sempre. Nas festas da Detenção, há sempre os arruaceiros que tentam cometer infrações para poder entrar na cadeia de Pederneiras. Mas o processo de seleção é rigoroso, e a maioria logo desiste.

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Fidípedes é o mais antigo inquilino de Pederneiras. Na rua todos o chamam de Barão e as mocinhas pedem-lhe a benção. Ele organiza as partidas de pôquer das quintas à noite e periodicamente cava túneis enormes com o final na sala do delegado, para que nunca alcance a liberdade por boa conduta e ainda consiga prisão perpétua ou algo assim.

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Quanto à mim, mandei um currículo para Pederneiras há mais de um mês. Eles me disseram que eu precisaria matar alguém a faca antes de comparecer à entrevista, de modo que ando ocupada, cuidando das questões legais. Parece que só posso assassinar um pederneirense, o que me deixa muito triste porque eles são boas pessoas (embora um tanto cabeçudos). Conversei com meu advogado e juntos conseguimos arquitetar um plano suculento, por fim: duelaria com o carteiro, ambos sairíamos feridos, hospitalizados e, com um pouco de sorte, iríamos juntos para a cadeia.
Escolhi um punhal tão bonito que você tem que ver. O carteiro armou-se de um estilete de abrir envelopes, como era mesmo de se esperar. Em pouco tempo, eu tinha perdido uma porção de dedos e arrancara a orelha esquerda do cidadão, pedindo-lhe, entretanto, sinceras desculpas e prometendo mantê-la no formol para posteriormente podermos discutir o assunto.
Em Pederneiras, no entanto, as pessoas levam tudo a sério. Inclusive as desculpas. De modo que, infelizmente, fui absolvida (pelo próprio carteiro, inclusive), condecorada; ganhei a chave da cidade e logo estava no trem, de volta para São Paulo, sem antes maldizer todos os meus antepassados pela polidez maldita com que me dotaram.

:: COMUNICAÇÃO ::
por Bárbara Lopes, em http://b-lo.blogspot.com

Todo mundo pensa em Romeu e Julieta como uma grande tragédia de amor. Eu sempre vi como uma grande tragédia das comunicações. Um terrível mal-entendido. E amar não seria justamente nunca precisar se explicar? Nunca precisar dizer "Não, benzinho, eu não queria me matar. Só estava fingindo para que possamos ser felizes para sempre"? Não que isso costume acontecer com muitas pessoas. Eu, pelo menos, nunca passei por uma situação dessas. Mas eu já marquei encontros e esperei no lugar errado. Não me espanto, portanto, que sejamos tão apegados a pagers, celulares, e-mails, comunicadores instântaneos, bloquinhos de anotação na geladeira... No fundo, estamos apenas esperando um único telefonema, um único e-mail e um único recado na geladeira. É muito triste morrer porque o sistema de telegramas não funcionou.


:: TEORIA ::
a Teoria Final Que Rege Todas As Cousas, criada por mim e pelo Victor, o Hugo.

.. todos os entes que existem têm o seu barulho particular. Com seu respectivo tom de voz, timbre e sonzinhos. Há os que têm vários barulhos de acordo com as funções, por exemplo: a escada teria um som determinado, como "sendo um degrau, sendo outro degrau, tendo cimento em sua composição, sendo esmagada", e assim por diante. Quando você sobe uma escada, então, imagina só a sinfonia enlouquecedora de coisas exercendo suas funções e falando delas, ao mesmo maldito tempo:

"sendo um degrau, movimentando o calcanhar, tendo cimento, executando funções vitais, segurando no corrimão, sendo um reles corrimão, batimentos-cardíacos-batimentos-cardíacos, fígado funcionando, sendo um degrau, continuando-a-ser-um-maldito-insignificante-corrimão, filtrando o sangue, oxigênio oxigenando, gás carbônico sendo expelido, sendo um corrimão".... e assim infinitamente: imagina quantas vozes teria o mundo, todas ao mesmo tempo, a gritar tresloucadamente como se fosse a última coisa que fariam no mundo, para depois prosseguir ao infinito, cada uma com sua voz, timbre, entonação, repetindo as mesmas ações, as mesmas falas, as mesmas malditas coisas... pelas minhas barbas, se eu fosse Deus tudo seria TÃO mais divertido. E o mar seria uma grande sopa.

:: DICIONÁRIO DAS IDÉIAS FEITAS ::
por Gustave Flaubert, em Bouvard e Péchuchet

Parentes -- Sempre desagradáveis. -- Esconder os que não são ricos.

Poesia -- Inteiramente inútil; passou de moda.

Púrpura -- Palavra mais nobre do que vermelho. -- Citar a anedota do cão que descobriu a púrpura mordendo uma concha.

Pompílio -- Inventor de uma espécie de circo.

Pasta -- Levar uma embaixo do braço empresta ares de ministro.

Parágrafo -- Quanto mais complicado, mais belo.

Quadratura do círculo -- Não se sabe o que seja, mas deve-se dar de ombros quando se fala em quadratura do círculo.


:: VEJAM SÓ COMO SÃO AS COISAS ::
sábio pensamento de Bárbara Lopes, que não sei quem seja, mas é alguém curioso.

Nesse exato momento, eu acendo um cigarro e minha gata está comendo uma mosca.


:: VOCÊ AVANÇA UMA CASA E EU FICO PRA TRÁS ::

de Através do Espelho, de Lewis Carroll.

- (...) Mas aqui tenho que deixá-la. Tinham chegado à orla do bosque.

Alice apenas olhou-o aturdida: estava pensando no pudim.

- Você está triste -- disse o Cavaleiro em tom aflito. Deixe-me cantar uma canção para confortá-la.

- É muito comprida? -- perguntou Alice, pois naquele dia já tinha ouvido poesia demais.

- É comprida -- disse o Cavaleiro -- mas é muito, muito bonita. Todo mundo que me ouve cantá-la ou fica com lágrimas nos olhos ou então...

- Ou então o quê? -- disse Alice, pois o cavaleiro fizera uma súbita pausa.

- Ou então não fica. A canção é chamada "Olhos de eglefim".

- Ah, é esse o nome da canção? -- disse Alice, tentando interessar-se.

- Não, você não está entendendo -- disse o Cavaleiro, parecendo meio contrariado. -- É assim que se chama o nome da canção. O nome verdadeiramente é "O homem velho, muito velho".

- Então eu deveria ter dito "É assim que se chama a canção?"

- Não, não devia: isso é outra coisa. A canção se chama "Modos e meios". Mas isso é só como ela se chama, veja bem!"

- Mas qual é a canção, afinal? -- disse Alice, já completamente desnorteada.

- Já estava chegando ao ponto -- disse o Cavaleiro. -- A canção, verdadeiramente, é "Sentado sobre uma porteira". A melodia fui eu mesmo que inventei.

E assim dizendo, parou o cavalo e largou as rédeas no pescoço do animal. Depois, batendo vagarosamente o ritmo com uma mão, com lânguido sorriso iluminando o rosto suave e néscio, como se fruísse a música da sua canção, pôs-se a cantar.

De todas as coisas estranhas que Alice viu em sua viagem Através do Espelho, essa era uma de que sempre se lembrava com a maior clareza. Anos depois ainda podia recordar-se da cena inteira outra vez, como se tivesse sido no dia anterior. Os doces olhos azuis e o sorriso bondoso do Cavaleiro... os raios do sol poente brilhando francamente em seus cabelos e refletindo-se em sua armadura num esplendor luminoso que a ofuscava por completo... o cavalo que se mexia quietamente, com as rédeas abandonadas no pescoço, mordiscando a relva sob as patas... e as negras sombras da floresta atrás... tudo isso ela gravou como se fosse um quadro, com uma mão em viseira sobre os olhos, encostada numa árvore, contemplando o estranho par e ouvindo, meio em sonho, a melancólica música da canção.


:: TRECHO FINAL ::
tirado de Através do Espelho, de Lewis Carroll

Ao cantar as últimas palavras da balada, o Cavaleiro pegou as rédeas e voltou seu cavalo na direção de onde tinham vindo. -- Você agora tem poucos metros a caminhar -- disse -- descendo a colina e depois saltando aquele pequeno riacho. E então será uma Rainha... Mas antes você vai ficar aí e ver minha partida, não vai? -- acrescentou, enquanto Alice se virava com olhar ávido na direção em que tinha apontado. -- Não demorarei. Você espera e acena com o seu lenço quando eu virar naquela curva da estrada? Acho que isso me encorajará, entende?

- Claro que espero -- disse Alice. -- E muito obrigada por me acompanhar toda essa distância... e pela canção... gostei muito.

- Espero que sim -- disse o Cavaleiro cheio de dúvida -- mas você não chorou tanto quanto eu esperava.

Apertaram as mãos, e então o Cavaleiro deslocou-se vagarosamente na direção da floresta. "Não vai demorar muito para vê-lo cair, juro", disse Alice para si mesma, enquanto o contemplava. "Lá vai ele! Bem de cabeça pra baixo, como sempre! Mas sobe outra vez com muita facilidade... é porque tem muitas coisas penduradas em volta do cavalo..." Continuou assim seu monólogo enquanto o cavalo seguia pachorramentamente e o Cavaleiro tombava, ora de um lado ora de outro. Depois do quarto ou quinto tombo ele chegou à curva, e então ela acenou com o lenço, esperando até que sumisse de vista.


:: COMO ENTENDER AS ACNES, SENÃO SENDO-AS? ::
por Jimmy Nutto

O diabo de escrever sobre brotoejas é que ninguém nunca entende.

:: METÁFORA ::
por André Deak. Coitado

(...) "Por una cabeza": é o título de uma canção de tango, bonita, mas que eu não entendi direito. Aliás, é uma boa metáfora para a forma com que enxergo a vida: bonita, mas não entendo direito.

:: SIM, MAS COMO HÁ GENTE ESTRANHA POR AQUI ::
email recebido da Ouvidoria do metrô, mais uma vez.

Senhora Solange,

Agradecemos por nos ter enviado seu relato. A observação sobre erros gramaticais será levada para conhecimento da área interna que gere o contrato junto a Metrocom.

Pedimos a gentileza de aguardar novo contato, pois assim que tivermos o parecer daquela área, repassaremos.

Atenciosamente,
Ouvidora

:: CORRESPONDÊNCIA ::
e-mails reais, bisonhos e suspeitíssimos, interceptados por um inocente nenúfar.

Olá.

Aqui é o Dagobaldo, o moço que despacha os emails. Gostaria de pedir, por obséquio, que os senhores parassem de surtar eletronicamente, tomassem vergonha na cara e me deixassem trabalhar em paz, afinal, nos últimos dias foram aposentados 8 funcionários da Corporação com o diagnóstico de insanidade súbita e tremiliques generalizados. Todos sabem que nós costumamos ler os emails e censurá-los antes que prossigam (eu, particularmente, gosto de inserir palavras que as pessoas não escreveram, cortar os finais, mandar mensagens de erro, devolver as cartas, e outras vantagens peculiares que se tem ao trabalhar neste honrado ofício), e - francamente - nos emails de vocês não se passa das primeiras linhas. Quando muito, alguém lê o assunto e se põe a chorar bastante, convulsivamente (dá um dó danado). A Matilde, senhora lúcida e religiosa que costumava separar e catalogar os emails para mandá-los ao destinatário, teve uma crise de epilepsia nervosa ao checar esta sua última epístola e foi afastada temporariamente por invalidez (no momento ela pensa que é uma couve e passa os dias a piscar, apenas, no chão do escritório). Bom, vamos ter que tomar providências - mas se algum de vcs for encontrado morto, esmagado por 352 quilos de alfafa fresca, que fique claro que não fomos nós, não desta vez.

Constitucionalissimamente,
Dagobaldo, supervisor de RH (?)
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Finalmente o adorável BrFree resolveu dar o ar de sua graça e me trazer biscoitos. Os indefesos e gordinhos catalupos órfãos (ver o verbete www.catalupos.hpg.com.br) já estavam adoecendo aos montes, visto que não podiam mais ler os emails antes de dormir (não dormindo, portanto). Alguns já se reestabeleceram e saíram da indeterminada Sala de Espera - o limbo onde moram os emails não entregues, as cartas rasgadas, os guarda-chuvas perdidos, as garotinhas órfãs, as desilusões, as aftas e a Alice (que não têm, repito, não têm a menor relação entre si, a não ser às escondidas e sem autorização dos pais) com uma pilha de revistas sobre Engenharia de Alimentos e Construção Civil. --- Dez melhores leituras para profissionais da Construção Civil: "Manual de preparo caseiro - Argamassa Cimentcola Quartzolit", "312 dicas para modelar balaústres de sustentação" e "Concreto Armado: Eu te Amo!".

Observação essencial antes que a ordem das coisas se reestabeleça: o mundo na minha mente é como a tela fundamental (como é que chama aquilo, diabos?) do Matrix: um negócio branco, branco, branco, silencioso e medonho; sem começo, fim ou sentido possível. Bonito, mas não entendo direito.

Fim do aparte. Início de uma nova consideração: russos nunca se vestiriam de pingüins nem teriam carros vermelhos; eles se vestiriam de vermelho e teriam pingüins para transportá-los. Sobe BG.

Desce vinheta de abertura, uma música apoteótica do estilo Ópera espanhola: gostaria que os canhotos parassem de se gabar desta condição invejável. Há muitas pessoas por aí que fariam tudo por uma mão esquerda levemente coordenada (na verdade, só conheço uma pessoa: eu mesma, mas mesmo assim pode ser relevante estatisticamente). Tanto que passei bons anos da minha vida escrevendo com a esquerda, só pra ver se adquiria uma habilidade súbita de repente - infelizmente, o que eu faço com a esquerda continua sendo.. ãhm. Igual a tudo que eu faço com a direita, talvez. Na verdade, eu adoraria abrir uma lata de ervilhas com abridores convencionais usando a mão esquerda, porque é tão bonito. E aquele lance de sentar em carteiras destras, e se virar inteiro para ajeitar o papel corretamente, ou - imagine só! - cortar papéis com tesoura direita, que cativante é tudo isto!!! Bonito, poético, toscamente desajeitado! ... Meu reino por uma mão esquerda.

As melhores pessoas do mundo são canhotas, escreva (virado de lado para se ajeitar na cadeira) o que eu estou dizendo. Ou melhor, copie e cole, porque já está escrito. Ser canhoto é praticamente uma arte, um estilo de vida, uma religião, uma transcendência - aposto que o Nietzsche era canhoto, pois eles não precisam de Deus ou de qualquer outra dessas frescuras. No meu bilhete de suicídio (que você vai poder copiar como epitáfio) estará escrito: "ela apenas queria ser canhota". Fecha aspas .

(cruel destino, como vou poder viver os anos restantes da minha vida com este fardo pendendo pra o lado herege do meu corpo?)

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1- Pergunta para pensar em casa: por que é que as pessoas têm dois olhos só delas? Por que elas não dividem um deles, emprestam pros outros, ou roubam o outro de alguém? Por exemplo, eu poderia ter um olho meu e um do Cortázar. Ou um do Cortázar, um seu e o outro na nuca, para evitar que falem mal de mim pelas costas.

2- Uma história, rápido: o canhoto A. estava sentado num banquinho realmente alto, chacoalhando os pés. Entra (naquelas portas vai-e-vem de Saloon) uma figura de botas altas, esporas, poncho e cachimbo, que grita: "Cortem-lhe as cabeças!", o que significa que eles estão prestes a duelar ao preço do olho do outro. E não só literalmente, eu acrescentaria. O canhoto em questão lança de sua mochila seu exército de poemas agressivos, que amordaçam o guerrilheiro e obrigam-no a dizer "aranhinha" repetidas vezes, até que ele seja curado. Mas ele diz "ariranha" e tudo vai por água abaixo.

(ou)

A figura de botas altas encara o canhoto, escancara as portas, faz cara de mau e grita "CORREEEEIO!", entregando este email d’A Destra, para satisfação do dono do bar e alegria geral dos presentes.


:: VOCÊ PERGUNTA, NÓS NÃO DAMOS A MÍNIMA ::
Questionamentos sadios de uma sociedade doente.

??? É verdade que vocês mentem, e os escritores de vocês são todos fictícios? (Pedro Le Minsque, Belo Horizonte).

Sim.

EXPEDIENTE

Este Zine é impessoal, objetivo e imparcial. Computadores meticulosamente programados desenvolvem os textos, se emocionam, revisam e publicam a visão neutra e apolítica da coisa toda. O único responsável é a instituição "Da Redação".


... Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado (que vem logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido)
- Stephanie A.

## Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque estava na lista de indivíduos manquitolas da lista negra dos Illuminati. Ou então, ou então! Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis do mundo, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e Li-Ching-Yang. Caso não queira voltar a receber este monte de bobagens, mande um e-mail para vmbarbara@brfree.com.br, e escreva na linha de assunto: "Me deixem em paz, pelas barbas de Tutatis!". Se quiser que mais vítimas recebam o Zine, também escreva para esse e-mail mandando o endereço dos condenados e o número e senha de suas contas bancárias. Se quiser usar cartão de crédito, basta fornecer o número. (Be afraid. Be VERY afraid.) ##

"Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que ri cuidado para que não babe".


God is coming.
Look busy.



2005 Vanessa Barbara