A Hortaliça

www.hortifruti.org

Trocadilhos tolos e conduta absurda
Edição #030, de 13 de agosto de 2002.
Para os que só podem estar brincando
Patrocínio: projeto MUK de proteção ao primata

hortalica@gmail.com

 

"Eu sou um velho estranho"
(teria dito o Hemingway)

 

SANTA CITAÇÃO
colaboração fecunda de Stephanie Avari
 

Diálogo: Batman e Robin - aquele antigo, gordo e roxo - perseguem malfeitores:

Ato 1. Malfeitores fogem.

Ato 2.
Robin, encafifado, diz: Santa rapidez, Batman! Eles fugiram!

Batman: Sim, Robin... eles têm uma vantagem sobre nós!

Robin: Santa dedução! E qual eh a vantagem, Batman?

Batman: Eles sabem onde estão...


:: HUMPTY-DUMPTY ::
por Lewis Carroll

- Por que o senhor está sentado aí, tão sozinho? - indagou Alice, sem querer iniciar uma discussão.
- Ora essa, porque não tem ninguém aqui comigo! - gritou Humpty-Dumpty. - Pensou que eu não saberia responder esta, hein? Pergunte outra.


:: PARA RESPONDER AO CHEFE, COM CARA DE PSICOPATA ::
Chuck Palahniuk

Chefe: O que significa este papel? Que devo fazer com um funcionário que desperdiça o tempo da empresa em seu mundinho fantástico? Se você estivesse no lugar do chefe, o que faria?

Narrador: O que eu faria é ter muito cuidado com quem se fala sobre esse documento. Pode ter sido escrito por um perigoso assassino psicótico, um esquizofrênico capaz de a qualquer momento perder a cabeça durante o expediente e entrar em sala com uma carabina semi-automática Armalite AR-180. Esse cara passou a noite limando uma cruz na ponta de cada bala. Ele aparece um dia no trabalho e descarrega sua carga no chefe rabugento, improdutivo, chorão, babaca e bunda-mole, e a bala explode e se espalha dentro dele, estourando as vísceras fedorentas ao longo da espinha. Imagine o seu chakra do umbigo explodindo em câmera lenta e trazendo tudo o que há no intestino grosso.


:: LIVRO DAS IGNORÃNÇAS ::
por Manuel de Barros

No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa.
É quando um trevo assume a noite
E um sapo engole as auroras.

 

:: TRECHO::
de Rayuela, J. Cortázar.

Traveler ficava sozinho no escritório, e perguntava a si mesmo como deveriam ser os fins de tarde em Connecticut.

 

:: SABÃO EM BARRA ::
por V., vmbarbara@yahoo.com

Veio um pesquisador lá em casa perguntar se eu usava sabão em barra. Isso, sabão em barra. Ele só podia estar brincando. Fui polidamente simpática e respondi que não, meu senhor, não usava sabão em barra. Com licença, estou de saída. E por quê? Silêncio. Sim, ele perguntou por quê. Céus, era o que me faltava. Um psicopata da limpeza, arauto da lavanderia arcaica.

Eu queria explicar: olha, é muito mais fácil não fazer algo do que fazê-lo. Não utilizar coisas do que utilizá-las. Entende? Mas ele nunca entenderia. Inferno. "E por que eu usaria?", foi o que respondi, perplexa. "Há pessoas que usam", retrucou o fulano, na maior inocência possível. Eu queria picá-lo em pedacinhos retangulares, cutucando de maneira sórdida o olho e a barriga dele, com a chave do portão.

"Ótimo", ponderei. "E há as pessoas que não usam, veja! E não é que eu sou uma delas?", lancei um olhar raivoso e continuei andando. Como ele me seguisse, ainda acrescentei: "Põe aí". Cumprimentei o meu sarcasmo e saí.

O moço me olhava, tristonho. Eu teria algum tipo de pena, se depois ele não tivesse indagado, de longe: "E por que essas pessoas não usam?". Era o fim. "Por que não! Por que não! Suma daqui, criatura!", mas ele se protegia com a prancheta e ainda murmurou: "E por quê?".

Ódio. Rancor. "Você venceu. Parabéns. Eu uso, sim, sabão em barra, todos os dias da minha vida, para toda a eternidade". Satisfeito?

Ele anotava freneticamente com um toco de lápis e cobria vários espaços no formulário, feliz da vida. Parecia um sapinho. Eu até fiquei satisfeita, senti que séculos de civilização passavam à minha frente e me cumprimentavam, cavalheiros franceses iam e vinham em seus fiacres e tudo era limpo e organizado. Cheguei a sorrir. Então ele levantou o rosto, com um par de olhos suaves, e perguntou:

- Mas de que marca?


:: DICIONÁRIO DAS IDÉIAS FEITAS ::
por Gustave Flaubert, em Bouvard e Péchuchet

Dólmen -- Diz respeito aos antigos franceses. - Pedra que servia ao sacrifício dos druidas. - Não se sabe mais nada, - Só há dólmens na Bretanha.
Elefantes -- Distinguem-se pela memória e adoram o sol.
Emigrados -- Ganham a vida dando lições de violão e fazendo saladas.
Entreato -- Sempre muito longo.
Espada -- Ter saudades do tempo em que a gente a usava.
Época (Atual) -- Revoltar-se contra ela. - Deplorar que não seja poética. - Chamá-la de época de transição, de decadência.
Ereção -- Só se diz com referência a monumentos.
Espirro -- Depois de dizer "Deus o abençoe", travar uma discussão sobre a origem desse uso.
Etrusco -- Todos os vasos antigos são etruscos.
Extirpar -- Esse verbo só se emprega quando se trata de heresias e de calos.
Enterro -- Falar a propósito do defunto: "E dizer que jantei com ele há oito dias!".


:: DECLARAÇÃO ::
para entrar para os autos

Vou derreter minha placa de estanho hoje mesmo e misturar no Nescau do meu irmão.

 

:: CHÁ ::
por Lewis Carroll

Diante da casa, sob uma árvore, havia uma mesa posta: a Lebre de Março e o Chapeleiro tomavam chá: um Rato do Campo estava imprensado entre os dois, profundamente adormecido, e eles o usavam como se fosse uma almofada, descansando nele os cotovelos e falando por cima da sua cabeça. "Isso deve ser bem incômodo para o Rato do Campo" – pensou Alice – "mas como ele está dormindo, acho que não deve se importar muito".

A mesa era bastante espaçosa, mas os três estavam amontoados num canto. – Não tem mais lugar! Não tem mais lugar! – gritaram ao ver Alice aproximar-se. – Tem lugar demais! – disse Alice indignada, sentando-se numa grande poltrona numa das cabeceiras.

-- Aceita um pouco de vinho? – perguntou a Lebre de Março em tom muito amável.
Alice olhou em volta da mesa: não havia nada exceto chá. – Não vejo vinho nenhum – ela observou.
-- E não há nenhum mesmo – disse a Lebre de Março.
-- Então não foi nada educado de sua parte me oferecer – disse Alice irritada,
-- Também não foi educado de sua parte sentar-se sem ser convidada – replicou a Lebre de Março.
-- Não sabia que a mesa era sua – disse Alice. – Está posta para muito mais do que três pessoas.
-- Você precisa cortar o cabelo – disse o Chapeleiro. Até então estivera olhando para Alice com grande curiosidade e essa era primeira vez que falava.
-- E você precisa aprender a não fazer comentários pessoais – disse Alice com severidade. – Isso é uma grosseria.

O Chapeleiro esbugalhou os olhos ao ouvir isso, mas tudo que disse foi: - Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?


:: UM CIENTISTA QUE CATA PULGAS ::
A Reader´s Digest dá o tom, nós completamos as matérias.
Hoje também não teremos matéria porque ainda estamos procurando uma boa desculpa. Disque 8 para voltar ao menu principal.

:: O ÚLTIMO IMUNE ::
por Luis Fernando Verissimo, no Estadão de 8 de agosto.

Sei não, mas quando nem um jabuti está seguro dentro de casa... Dirá você que o noticiário está cheio de exemplos melhores do ponto a que chegamos. Mais importante do que um jabuti vendo o seu sonho de um dia dançar no Municipal destruído para sempre por uma bala perdida é uma das duas maiores universidades federais do Brasil não conseguir pagar a sua conta de luz? Dirá você? Mas o que se pode esperar de um país cujo Exército faliu?

O Exército brasileiro faliu. Dispensou mais da metade da sua força de trabalho e dizem que o Brasil está pensando seriamente em terceirizar os seus serviços, inclusive contratando o narcotráfico - que já tem quase todas as armas de uso exclusivo das Forças Armadas, mesmo - para patrulhar as fronteiras. Você já se deu conta de que só o que impediria a Argentina de nos invadir neste exato momento para vingar a gozação depois da Copa é o fato de o Exército argentino não ter gasolina nem para dar um golpe?

Deixarem uma das duas maiores universidades federais do Brasil sem luz parece uma seqüência lógica de eventos, depois de dispensarem o Exército. Dirá você que nada representa melhor a situação do Brasil do que a CBF inaugurando um prédio novo e luxuoso enquanto os times de futebol profissional, todos, quebram, ou aquela brincadeira impensada do secretário do Tesouro americano, Paul O'Neill, checando se ainda estava com a carteira na saída do Planalto.

Eu insisto que o jabuti baleado é mais, como dizem, emblemático. O jabuti é o típico animal que está na sua, não está nem aí e não quer nem saber. Além do seu ar distante, a carapaça é um sinal de que ele não quer ser incomodado, com notícias ou qualquer outra forma de realidade. Ou seja, é o brasileiro na sua última privacidade, no seu último refúgio, tentando desesperadamente ser imune ao Brasil. E se além de viver dentro da sua concha natural vivia dentro de um apartamento, era duplamente imune e tinha todo o direito de achar que estava salvo.

Não estava. A bala perdida o encontrou. Bem-vindo à social-democracia, jabuti.


:: CONTINUAÇÃO ::
por Lewis Carroll

"Ótimo, temos divertimento pela frente!" – pensou Alice, – "Acho muito bom que eles tenham começado a propor adivinhas." – Creio que posso acertar essa – disse em voz alta.
- Quer dizer que você pensa que pode encontrar a resposta para isso? – perguntou a Lebre de Março.
- Exatamente – respondeu Alice.
- Então deve dizer o que pensa – continuou a Lebre de Março.
- Eu digo o que penso – apressou-se Alice a dizer. – Ou pelo menos... pelo menos penso o que digo, o que dá no mesmo, afinal.
- Não da no mesmo coisa nenhuma! – protestou o Chapeleiro. – Seria o mesmo que dizer que "Vejo o que como", é o mesmo que "Como o que vejo".
- Seria o mesmo que dizer – acrescentou a Lebre de Março – que "Gosto daquilo que consigo" é o mesmo que "Consigo aquilo de que gosto".
- Seria o mesmo que dizer – acrescentou o Rato do Campo, parecendo falar enquanto dormia – que "Respiro quando durmo" é o mesmo que "Durmo quando respiro".
- No seu caso é a mesma coisa – disse o Chapeleiro ao Leirão. Nesse ponto a conversa parou e o grupo ficou silencioso um minuto, enquanto Alice aproveitava para se lembrar de tudo que sabia sobre corvos e escrivaninhas, o que não era lá muita coisa.

:: CORRESPONDÊNCIA ::
e-mails reais, bisonhos e suspeitíssimos, interceptados por um inocente nenúfar.

Somos mais herméticos que uma embalagem de Pipoca doce. (Fim da linha de raciocínio.) // observação a esmo: adoro coisas que são apenas uma não-outracoisa. Tipo a não-presença. Ou o não-lugar. Elas não devem se sentir lá muito bem, eu ficaria rabugenta se me classificassem como uma não-Alice, uma não-grampeador, ou ainda uma não-afta. // [espaço para a) morrer de rir; b) morrer de pena; c) fazer xixi; d) suspirar prolongadamente e escrever um animado bilhete de suicídio, culpando a Chachee por tudo.] // Eu nunca bati a cabeça em vigas de madeira de lugar algum, mas já enrosquei o guarda chuva num pé de amoras da minha rua e fiquei 10 minutos na chuva tentando tirar o maldito negócio, sem sucesso. 2 horas depois havia, ainda, um guarda-chuva suspenso no ar, flutuando nas plantas da esquina. //

É isso. Estou farta. Desisto e tudo e parto hoje mesmo, doidamente, para algum lugar engasgante como Quetzalctl, Ixtlipetzeoc.

Eu, a não-você.

 

:: VOCÊ PERGUNTA, NÓS NÃO DAMOS A MÍNIMA ::
Questionamentos sadios de uma sociedade doente.

??? Por que ao procurarmos o número de uma casa em uma rua, abaixamos o volume do rádio do carro? (B. Shiga, RJ)

Existem várias teorias para explicar tal fenômeno. Mas vamos nos deter na mais provável. Datada do ano de 1812 (não venha questionar o fato de nessa época o automóvel ainda não ter sido inventado, a pergunta aqui é outra e não vamos perder o tema de vista), a teoria foi proposta pelo filósofo alemão Karl Friedrich Benz. Segundo Benz, esse ato é puramente cultural. Imaginemos o seguinte: se carros vão a casa de alguém, naturalmente algum acontecimento social se dará. E onde ocorrem acontecimentos sociais, sempre existem quitutes e bebericos. Em uma atitude forçada pelo subconsciente, abaixa-se o volume do som para evitar que toda vizinhança saiba do evento, sobrando assim, mais guloseimas e bebidas para os indivíduos do carro. "O homem é um animal naturalmente egoísta", afirmou Benz que, curiosamente, no ano de 1885, inventou o automóvel junto com o amigo psiquiatra Gottlieb Wilhelm Daimler. No entanto, eles adoravam ir às festas com o som bem alto, pra mostrar superioridade! Ah! Esses pensadores alemães.(por Alisson Villa, o velho eremita)


EXPEDIENTE

Este Zine é impessoal, objetivo e imparcial. Computadores meticulosamente programados desenvolvem os textos, se emocionam, revisam e publicam a visão neutra e apolítica da coisa toda. O único responsável é a instituição "Da Redação".


... Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado (que vem logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido)
- Stephanie A.

## Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque (oinc!) estava na lista de indivíduos manquitolas da lista negra dos Illuminati. Ou então, ou então! Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis do mundo, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e Li-Ching-Yang. Caso não queira voltar a receber este monte de bobagens, mande um e-mail para vmbarbara@brfree.com.br, e escreva na linha de assunto: "Me deixem em paz, pelas barbas de Tutatis!". Se quiser que mais vítimas recebam o Zine, também escreva para esse e-mail mandando o endereço dos condenados e o número e senha de suas contas bancárias. Se quiser usar cartão de crédito, basta fornecer o número. ##

!!DAMN!! Zine - o zine das coisas que foram, das coisas que são o que são, das que não são o que não são e das que poderiam vir a ser o que não foram. Perfeito para forrar o chão de barracas fajutas e para embrulhar mortadela. Parceiro do tablóide norte-americano "O Sol da Meia Noite", mas não olhe pra trás porque tem um fauno fritando ervilhas nas suas omoplatas.

"Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que ri cuidado para que não babe".


God is coming.
Look busy.



2005 Vanessa Barbara