A Hortaliça

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Por mil demônios!
Edição #020, de 1 de junho de 2002.
Para os que riscam fósforos repetidamente...
Não ultrapasse a faixa amarela.

hortalica@gmail.com
Edição especial confeccionada por avestruzes.

 

"Se teu olho te irrita, arranca-o!"
(Lutero)

 

EDITORIAL
Vanessa Barbara
 

- Bebe.
- Não bebo.
- Engole.
- Não engulo!
- Vai, se você me ama!

Isso se repetia todos os sábados. Na mesa 7, uma moça lindíssima trazia o namorado da semana e o colocava à prova, sob olhares assustados dos garçons do bar.

- Se você beber meu olho de vidro, caso com você – dizia.

O moço em questão – Conrado, Cassiano ou Ademílson – mirava o copo de suco de laranja, com aquele olho azul boiando no líquido turvo. Levantava os olhos (dele, não os do suco) e vislumbrava a donzela, loiríssima e provocante, mas depois encarava o recipiente com uma expressão de nojo.

- Eles sempre desistem – suspirava a dama, após mais uma decepção.
- Ora, apenas não são homens o bastante. Não pra você.
- Ah é?? E você beberia um olho de vidro?

Silêncio.

A família Diniz Pereira mastigava um beirute de frango no boteco, depois de um alegre passeio ao zoológico, quando a filha mais nova viu. Todos se voltaram à mesa 7, e também viram. O garçom bebia um olho de vidro.

Desmaios, gritos e histeria explícita. O bar é fechado pela polícia.

Dois anos depois, os Diniz Pereira ainda fazem terapia de grupo. A filha mais nova não sai do armário da cozinha desde o dia em que viu a cena, e o primo Thomas nunca mais abriu os olhos na frente do espelho. O bebê Manuel desenha crianças sem olho. O avô entrou para um consórcio de Fuscas usados – embora isso não tenha a ver com o episódio – e Matilde Diniz Pereira, a matriarca, fugiu com o terapeuta para algum bairro humilde em Pirapora do Bom Jesus. O garçom e a caolha Hilde se casaram e vivem felizes em um casebre amarelo na Vila das Mercês.


:: CARVÃO PARA MIKE ::
por Bertolt Brecht

1
Soube que em Ohio
No início deste século
Uma mulher vivia em Bidwell
Mary McCoy, viúva de um ferroviário
De nome Mike McCoy, na pobreza.

2
Toda noite, porém, os guarda-freios lançavam
Dos trovejantes vagões da Wheeling Railroad
Por sobre a cerca, um saco de carvão no canteiro de batatas
Gritando apressados, com voz rouca:
Para Mike!

3
E toda noite, quando o saco de carvão para Mike
Batia na parede traseira do casebre
A velha levantava-se, cobria-se
Bêbada de sono, com o vestido, e escondia o saco de carvão
Presente dos guarda-freios a Mike, que estava morto
Mas não esquecido.

4
E ela levantava-se tão antes da aurora e escondia
O presente da vista do mundo, para que
Os guarda-freios não tivessem problemas
Com a Wheeling Railroad.

5
Este poema é dedicado aos camaradas
Do guarda-freios Mike McCoy
(Que morreu de fraqueza dos pulmões
Nos trens de carvão de Ohio)
Pela camaradagem.


:: SEM TÍTULO ::
por Érico Veríssimo.

Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a idéia de que o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não deserdamos nosso posto.


:: HORRÍVEL ::
do Laerte, sugerido pelo sr. Eak. Ele duvidou, nós publicamos.

... O cara chega e diz:
- O Ringo Star?
- Não.
- Você pede pra ele Paul Mcartney no correio pra mim?
- Claro.
- Mas não deixa o John Lennon.


:: HUM? ::
por Kurt Tucholsky. (porque acusavam o Brecht de plágio)

Quem escreveu essa peça?
Foi Bertolt Brecht.
Sim, mas quem escreveu essa peça?


:: IT'S ENDING ONE MINUTE AT A TIME... ::
por Luis Fernando Verissimo.

Você sabe que cada soco que um homem não dá encurta sua vida em 17 dias? E cada vez que um homem pensa em sair dançando um bolero e se controla, seu fígado aumenta? E cada...


:: SE OS TUBARÕES FOSSEM HOMENS ::
por Bertolt Brecht

O senhor Keuner explica à filha de sua hospedeira o que aconteceria – nos mares construiriam caixas enormes para os pequenos peixes, cuidariam para que as caixas tivessem sempre água fresca e todas as medidas sanitárias, não permitiriam que os peixinhos morressem antes da hora, qualquer ferimento seria imediatamente curado; organizariam festas para que os peixinhos não se sentissem melancólicos e tb escola para que aprendessem como se entra na goela dos tubarões; receberiam tb sólida formação moral, sobretudo alegremente ter fé e confiança cega nos tubarões; aprenderiam a obediência, precavendo-os contra os materialistas e os marxistas; os peixinhos aprenderiam a denunciar os que tivessem más tendências; os tubarões fariam tb guerra para conquistar os peixinhos estrangeiros; os peixinhos teriam tb uma cultura e uma arte – belos quadros onde os dentes dos tubarões seriam representados em cores deliciosas, e teatros, onde se mostraria como os heróicos peixinhos entrariam com entusiasmo na boca dos tubarões; teriam tb uma religião que ensinaria que os peixinhos começam realmente a viver no ventre dos tubarões; e haveria tb uma hierarquia entre os peixinhos, os maiores entre eles ocupariam postos importantes, vigiariam para que reinasse a ordem entre os peixinhos menores, se tornariam professores, oficiais, engenheiros em construção de caixas etc – em resumo haveria enfim uma cultura no mar, se os tubarões fossem homens


:: SEM TÍTULO ::
por Walt Whitman.

Sermões e lógicas jamais convencem, o peso da noite cala bem mais fundo em minha alma.


:: ROLF, O CÃO QUE ACHA COISAS ::
a Reader's Digest dá o tom, nós completamos as matérias.

Em homenagem à pobre alminha de Rolf, o Cão Que Acha Coisas e sua eterna amiga Luft, a Minhoca Que Faz Contas, vamos suspender essa coluna só por esta edição, para que ele possa ter uma maior liberdade de achar as coisas que quiser. "Não gostaria que as coisas que escrevo poupassem as outras pessoas de pensar", diria Wittgenstein a Rolf, "ao contrário, se possível, gostaria de estimulá-las a pensar pensamentos que fossem delas mesmas". Arf.


:: VOCÊ PERGUNTA, NÓS NÃO DAMOS A MÍNIMA ::
Questionamentos sadios de uma sociedade doente.

??? Deus pode fazer tudo, certo? (Marcos, SP)

É.

??? Ele pode criar uma pedra tão grande que ele não possa carregar?

 

EXPEDIENTE

Este Zine é impessoal. Computadores meticulosamente programados desenvolvem os textos, se emocionam, revisam e publicam a visão neutra e imparcial da coisa toda. O único responsável é a instituição "Da Redação".

 


... Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado (que vem logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido) - Stephanie A.

Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque (oinc!) estava na lista de indivíduos manquitolas da lista negra dos Illuminati. Ou então, ou então! Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis do mundo, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e Li-Ching-Yang. Caso não queira voltar a receber este monte de bobagens, mande um e-mail para vmbarbara@brfree.com.br, e escreva na linha de assunto: "Me deixem em paz, pelas barbas de Tutatis!". Se quiser que mais vítimas recebam o Zine, também escreva para esse e-mail mandando o endereço dos condenados e o número e senha de suas contas bancárias. Se quiser usar cartão de crédito, basta fornecer o número.

!!DAMN!! Zine - o zine das coisas que foram, das coisas que são o que são, das que não são o que não são e das que poderiam vir a ser o que não foram. Perfeito para forrar o chão de barracas fajutas e para embrulhar mortadela. Parceiro do tablóide norte-americano "O Sol da Meia Noite", mas não olhe pra trás porque tem um fauno fritando ervilhas nas suas omoplatas.

"Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que ri cuidado para que não babe".
atenção: as figuras desta edição fartamente ilustrada são vistas apenas se seu email estiver configurado para receber em html. Tome vergonha!


God is coming.
Look busy.



2005 Vanessa Barbara