A Hortaliça

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LEGUMES SELECIONADOS

Os textos a seguir foram publicados no caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo, aos domingos, na coluna "Vanessa Vê TV".

vanessa.barbara@uol.com.br

 

 

7 de agosto de 2011

O fardo do homem branco
por Vanessa Barbara

“Tomai o fardo do homem branco”, escreveu o poeta inglês Rudyard Kipling no final do século xix, conclamando os europeus à conquista imperialista dos povos bárbaros. “Encha a boca dos famintos/ e proclama, das doenças, o cessar”.

Foi o que me ocorreu ao assistir a nova temporada de “Extreme Makeover Social” (Record, sáb. 0h30), apresentado pela empresária e socialite Cristiana Arcangeli, que no último sábado marcou 7 pontos no Ibope.

A produção brasileira é derivada de “Extreme Makeover”, reality show em que os participantes passam por transformações no visual ou têm suas casas reformadas. Na versão da Record, o objetivo é contemplar creches, asilos e casas de apoio voltadas à população carente.

Na temporada passada, mais de 400 vagas foram abertas para crianças “em situação de vulnerabilidade social e econômica”. O investimento foi de R$ 10 milhões, e contou com o apoio de 47 empresas e quatro grandes patrocinadores: Nestlé, Kimberly-Clark, Suvinil e Leroy-Merlin.

Os grilhões do patrocinador são facilmente sentidos ao longo do episódio, sempre que há uma cena ensaiada, do tipo: “Nossa, mas que portal bacana. Ai, quer saber? Vou aproveitar e escolher os produtos no catálogo virtual”.

A naturalidade afetada do merchandising é o de menos. Pior é ganhar uma reforma à custa da própria dignidade, já que o programa não perde a chance de dar zoom em órfãos que choram, abusar da trilha sonora pungente e explorar ao máximo as emoções de quem está ganhando um suprimento de fraldas.

Sem contar as demonstrações caramelosas de gratidão: as crianças correm para abraçar a apresentadora, uma espécie de emissária do bem que segura a mão dos necessitados e, condescendente, chama uma voluntária de “bonitinha”. O tom é magnânimo. Só uma vez ela tropeça, trocando “refeitório” por “restaurante”.

Com as câmeras quase dentro das narinas da entrevistada, grava-se a reação de uma diretora de creche, a quem a empresária comunica que decidiu dar uma casa.

“Quem é feliz aqui?”, ela pergunta, e as crianças gritam: “êêêu!”.

O objetivo do programa é realizar sonhos – e, pelo visto, explorá-los. É esse o fardo do milionário.

 

31 de julho de 2011

Sabedoria de Miss
por Vanessa Barbara

Em mais uma prova da acuidade jornalística desta coluna e de sua antecipação visionária dos assuntos que dominarão a pauta televisiva interplanetária, viu-se no sábado passado, na Band, um belo close do dr. Hollywood fazendo coraçãozinho com as mãos, em clara referência aos textos de 15/5 e 17/7.

O dr. Robert Rey foi um dos jurados do concurso Miss Brasil 2011, exibido pela emissora no dia 23. Com mais de duas horas de duração, o evento foi apresentado pela ex-miss Nayla Micherif e por Adriane Galisteu, que muito falaram sobre a “sensualidade da mulher brasileira” e cometeram falhas insólitas como anunciar um “biquíni de desfile”, em vez de “desfile de biquíni”.

Logo de início, elas pareciam estar à frente de um show beneficente estilo Teleton. “Você pode ajudar uma dessas garotas acessando o site”, disse Galisteu. Eu quase liguei para fazer uma doação à Miss São Paulo, que parecia estar em pânico, e para uma outra que listou como hobby as artes plásticas (pensei logo em Tupperware).

Mais tarde, Galisteu anunciou ao microfone que a torcida continuava enorme, como se estivesse surpresa com o fato de ninguém ainda ter ido embora. Depois passou à descrição dos estados (Acre significa “touca de penas”, o Ceará é conhecido por ser berço de talentos humorísticos, o Espírito Santo pelas moquecas de peixe e o Rio Grande do Norte pelo maior cajueiro do mundo).

De maquiagem pesada, saltos altíssimos, mão na cintura e sorriso congelado, todas as candidatas pareciam a mesma pessoa. Eram altas e morenas (só havia duas loiras) e flanavam pela passarela como se houvessem acabado de passar por uma cesárea e os pontos fossem explodir.

Quem ganhou foi a gaúcha Priscila Machado, sonoramente vaiada pela torcida, que apoiava outras candidatas e gritava “pelada”, em referência a fotos polêmicas que circularam pela internet.

Outro ponto alto da noite foi a entrega da faixa de Miss Simpatia Lux para a piauiense Renata Lustosa.

Na hora de parabenizá-la, Adriane Galisteu fez uma pausa grave, pousou as mãos no ombro da vencedora e disse, com um ar maternal: “Lembre-se de uma coisa, nunca se esqueça: com Lux, você mantém a sua pele macia e perfumada todos os dias”.

 

24 de julho de 2011

Quem matou Rosie Larsen?
por Vanessa Barbara

Nos últimos anos, a emissora norte-americana AMC tem rivalizado com a HBO na produção de séries de qualidade. Em sua reduzida carteira de títulos estão dois dos melhores dramas da nova safra: “Mad Men” e “Breaking Bad”.

O slogan do canal é: “Aqui a história importa”.

Dito isso, confesso que não entendi muito bem qual é a da série “The Killing”, inédita no Brasil e lançada nos EUA em abril, onde conquistou grande audiência e gerou um nível similar de expectativa.

Baseada num original dinamarquês, “The Killing” começa com o assassinato de Rosie Larsen, num início soturno e gélido que exala “Twin Peaks” por todos os poros (até a fotografia é parecida). Cabe à detetive Sarah Linden desvendar o crime, e para isso tem à disposição todos os treze episódios da temporada.

“The Killing” foi indicada a seis Emmy, entre os quais o de elenco, direção e roteiro do piloto de duas horas. Foram feitas comparações ambiciosas com os romances policiais de Stieg Larsson (da trilogia “Millenium”) e Henning Mankell (de “Wallander”), de modo que, a essa altura, a torcida já estava quase ganha. Era só chutar e correr para o abraço.

Apesar de tudo, pelo menos pra mim, foi bola fora. A série é arrastada e sem sal. O roteiro é displicente. Episódio após episódio, a impressão é a de que nada aconteceu.
Há algo, porém, que gera estranhamento: a semelhança randômica com outras séries.

Além do paralelo óbvio com “Twin Peaks”, há uma similaridade perturbadora entre a detetive Linden e Linda Wallander, sobretudo no quesito amargura e ausência absoluta de “joie de vivre”.

Além disso, o vereador Richmond é parecidíssimo com o prefeito Tommy Carcetti, de “The Wire”. E a mãe da vítima é interpretada pela mesma atriz que faz a esposa de Paul Weston no seriado “Em Terapia”. O piloto também tem toques fúnebres de “A Sete Palmos”, mas não chega ao mindinho dos pés de nenhuma dessas séries.

Mas quem, afinal, matou Rosie Larsen? Exibido em fins de junho, o último episódio da temporada prometia a resposta. Público e crítica reagiram com indignação. Ao que tudo indica, quem matou Rosie Larsen foi a roteirista Veena Sud (de “Cold Case”), que definitivamente errou a mão.

 

17 de julho de 2011

A gênese do coraçãozinho
por Vanessa Barbara

A primeira vez que vi alguém fazendo um coração com as mãos foi na plateia do programa “Manos e Minas”, da TV Cultura. Fiquei imediatamente tomada de curiosidade antropológica.

Em meu afã investigativo, mal consegui me defender da avalanche de mãos em coraçãozinho que assolam a tevê, sobretudo em reality shows e programas vespertinos de fofoca. Há sites com extensas compilações só de celebridades fazendo o tal gesto e confusas especulações sobre quem teria lançado a moda.

No Brasil, diz-se que o precursor foi Alexandre Pato. Ao marcar seu primeiro gol no Milan, há três anos, o atacante comemorou fazendo um coração às câmeras, dedicando-o a Sthefany Brito, sua namorada na época.

Daí em diante, aderiram à moda jogadores como Vágner Love (Flamengo), Ronaldo (Corinthians), Dagoberto (São Paulo) e Rildo (Vitória). Em vez de irem celebrar com os companheiros de time, o técnico ou a torcida, eles procuram as câmeras e sacam um empolgado S2 ao éter. (S2 é o “emoticon” que representa o coração, assim como <3.)

No exterior, o “hand heart” é atribuído a artistas adolescentes como Taylor Swift e Justin Bieber, além de Lady Gaga e Selena Gomez, que costumam acenar aos fãs dessa forma.

O símbolo pode também ser remetido ao Claddagh, tradicional anel irlandês de compromisso que traz uma figura dourada de coração envolvido por duas mãos e uma coroa. Ou, ainda, a uma gangue de traficantes de cocaína em Chicago, chamada Gangster Disciples, que adotava o símbolo do “coração com asas”, com os dedos erguidos, sabe-se lá por quê.

Certo é que o gesto tem relação íntima com a exibicionice popular, visto que é prontamente acionado quando há uma câmera por perto. Trata-se de uma versão mais espontânea do “Filma eu, Galvão” ou dos antiquados tchauzinhos.

Embora não se possa identificar com precisão histórica o criador dessa moda, sei exatamente quem a consagrou, elevando-a ao status de arte: o cantor sertanejo Luan Santana.

Em perfil publicado pela revista “piauí” de janeiro, ele sobe ao palco e diz ter um presente para as fãs. “Finge então procurar alguma coisa nos bolsos, não encontra e finalmente ergue as mãos em forma de coração”. O público entra em êxtase.

É um mestre.

 

10 de julho de 2011

Como se faz um "Columbo"
por Vanessa Barbara

O tema desta coluna ia ser outro, mas o recente anúncio da morte de Peter Falk (dia 23, aos 83 anos) foi a desculpa perfeita para promover uma maratona doméstica de “Columbo”, a melhor série de TV com protagonista zarolho. (Embora “Popeye” não fique tão atrás.)

O tenente Columbo é um detetive aparentemente simplório, amarfanhado e irritante da polícia de Los Angeles. A série segue o formato da “história de detetive invertida”, em que o espectador vê o crime ocorrer e sabe de antemão quem é o culpado, cabendo ao herói juntar as pistas e pegá-lo.

Os episódios têm longa duração, estendendo-se por até 90 minutos. É o tempo necessário para que os roteiristas possam desenvolver a investigação sem pressa, embaralhar as pistas, encurralar o pobre suspeito e encafifar o público quanto ao método escolhido por Columbo para pegá-lo.

Pouco a pouco, após ir embora e reaparecer várias vezes, lembrando-se de “só mais uma perguntinha”, o policial vai expondo as incongruências do álibi, até que o assassino não tenha outra saída senão se entregar.

As soluções encontradas pelo detetive são por vezes geniais, como num episódio em que ele desmascara um homicídio por meio do laço de sapato da vítima. Ou quando encontra uma carta incriminadora em que o culpado destaca o selo de forma descuidada, guardando a cartela na própria escrivaninha – neste caso, um legítimo jogo de encaixar.

Morro de vontade de saber qual o método usado pelos roteiristas para estruturar os scripts e, na falta de detalhes, fico tentada a “columbar”. É provavelmente uma escrita do tipo “de trás pra frente”, mas, nesse caso, o crime é só o início; o flagrante é que é o final. Imagino que eles devam procurar em primeiro lugar uma sacada investigativa, como a pista dos cadarços ou do selo, e desenvolver o crime a partir daí.

Conta-se que a equipe perseguia meticulosamente esses tais “estalos” investigativos (no original, “pops”), e que o próprio Falk se tornara obcecado por eles – a ponto de, certa feita, pedir que todos no estúdio da Universal tirassem as calças, só para checar que perna eles tiravam primeiro.

E toca inventar um crime passível de ser solucionado pela ordem das pernas fora das calças.

 

3 de julho de 2011

Zoião passa para Edvânio
por Vanessa Barbara

Foi com o meu pai que aprendi a importância de assistir grandes partidas de futebol mambembe, como Santacruzense vs. Penapolense, pela série A3 do Campeonato Paulista.

Foi através dele que descobri o programa “Jogos Perdidos” (ClicTV, ter., 10h), mantido por meia dúzia de abnegados que pegam a estrada para ver clubes desconhecidos em campeonatos regionais obscuros, registrando-os num blogue.

A equipe do JP costuma prestigiar times com 100% de aproveitamento negativo, desses que, no jogo inteiro, dão apenas um chute no gol, “e mesmo assim sem direção”. Recostados ao alambrado e enchendo a cara com Guaraná Poty, fotografam os lances de atletas chamados Pomarola, Papão, Alamir e um atacante de uniforme azul que atende pela alcunha de Amarelo.

“O jogo foi assustador em ruindade. No primeiro tempo, a maior emoção foi tentar achar um saleiro para salgar a pipoca, que estava horrorosa”, postou um dos membros. Mas não é sempre assim.

Acompanhar o futebol mambembe é uma lição de caráter que nos faz refletir sobre a pequenez das glórias mundanas e a importância de se esperar a autorização do juiz antes de irromper pela linha lateral, desgovernado, como fez um reserva do Elosport em partida contra o Capivariano pela Segunda Divisão do Paulista.

Para além dos “Jogos Perdidos”, há as clássicas transmissões da Rede Vida aos fins de semana, com ótima narração de Luiz Carlos Fabrini, que no final agradece ao Senhor por existir e aos espectadores pela agradável companhia. Há closes recorrentes da arquibancada semivazia, de um vira-lata sarnento e de um grupo de tiozinhos de moletom, logo atrás de uma placa do Açougue e Mercado Chicão.

A partir de maio passado, quem também entrou de sola no futebol de várzea é a TV Cultura, que aos domingos às 13h exibe as partidas amadoras do Campeonato Estadual de Seleções – Ligas Municipais.

Na semana passada (Araraquara vs. Serrana), houve até um espetacular passe de calcanhar. Mas a narração ainda está engessada e merecia uma boa reportagem prévia – informando ao leigo, por exemplo, quem é e o que pensa o atleta Zoião, qual a profissão de Weltinho, quantas vezes por semana treina o escrete de Votuporanga e se tem coreto lá em Jaboticabal.

 

26 de junho de 2011

A vida é curta. Fale rápido
por Vanessa Barbara

A despeito da zombaria generalizada e perda total de reputação entre os meus pares, sempre gostei de “Gilmore Girls” (no Brasil, “Tal mãe, tal filha”, SBT, qua., 3h e Boomerang, ter. a sáb., 2h). É uma série corajosamente tola que durou de 2000 a 2007 e está disponível em 42 DVDs, sempre em liquidação.

A trama fala de uma jovem mãe solteira, Lorelai Gilmore, e de sua filha Rory. Ambas moram no pitoresco vilarejo de Stars Hollow, onde convivem com uma gama de personagens excêntricos – entre eles, um trovador residente, um cachorro chamado Paul Anka, um rapaz que aceita todos os empregos da cidade e um conselheiro municipal dado a longuíssimas e absurdas reuniões comunitárias.

Ao que tudo indica, a criadora Amy Sherman-Palladino (ao lado do marido, Daniel Palladino) parece seguir os preceitos do cineasta Billy Wilder, que mandava os atores refazerem as tomadas numa velocidade duas vezes maior: “Me dê uma alegria, corte uma semana dessa cena”.

Os diálogos de “Gilmore Girls” são torrenciais, ininterruptos e fazem parecer que todos injetaram cafeína no sangue. Os roteiros da série têm quase o dobro do tamanho normal, com uma página de texto por minuto.

Além da prolixidade e do vício por café, as garotas Gilmore dividem um gosto cinematográfico amplo e duvidoso, promovendo sessões comentadas de filmes diante de uma mesa cheia de comida. “Não sei por onde começar”, confessa Rory, ao que a mãe aconselha: “Bem, comece pelo topo e pare quando atingir a mesa.”

Num episódio típico, um maluco local decide protestar na praça, mas ninguém consegue entender sua demanda. “Acho que escutei ‘geleia’...”, alguém arrisca. “Ele é contra ou a favor de geleia?”, perguntam. O doido estende uma faixa com algo que começa com R, e alguém grita: “Ragu!”.

Como diz Lorelai, a realidade não tem chance em Stars Hollow.

Outro ponto alto são os monólogos da personagem ao se sentir constrangida, como num jantar de família em que ela inventa a frase foneticamente mais engraçada do idioma, “Oy with the poodles already”. Ou quando interage com Luke, o dono da cafeteria: “Eu quero um hambúrguer, anéis de cebola e uma lista de gente que matou os pais e saiu impune. Estou em busca de heróis”.

 

19 de junho de 2011

Veja você, Milton Leite
por Vanessa Barbara

“O Osório vai embora com o seu caderninho, com o seu suco de morango, com seu adoçante líquido...”

É assim que o locutor Milton Leite, do SporTV, narra a expulsão do técnico Juan Carlos Osorio, do Once Caldas, em partida contra o Santos no mês passado.

Milton Leite é meu locutor preferido. Com seu estilo “Rock & Gol” de se ater às irrelevâncias, ele passa longuíssimos minutos reparando no técnico colombiano, cujo pitoresco método de comunicação com o time é mandar bilhetinhos através do capitão. “Nunca vi nada parecido em 30 anos de profissão”, comenta.

Além de empregar adjetivos com estilo (“foi uma reclamação acintosa”), ele é o mestre do sarcasmo, divertindo-se praticamente o tempo todo. Com o bordão “Que beleza!”, condena os lances mais ridículos, e com “Que fase!” ironiza o desempenho fraco de um clube.

Na partida da Libertadores, afirmou, sem rodeios, que um dos atletas não tinha “nenhuma habilidade”. Outras vezes, aplaude escorregadelas e tropicões, ou declara que alguém apanhou vergonhosamente da bola. “Acho que a esquerda não é muito boa na finalização do Caíque... Olha o câmera. Olha o esforço do câmera para acompanhar essa bola. Meu Deus.”

Durante o jogo de despedida de Ronaldo da Seleção, no dia 7, chegou ao ápice de sua carreira ao apelidar o atacante romeno Zicu de “o galinho de Bucareste”.

Valendo-se da experiência como locutor de rádio, Milton Leite não tem medo de improvisar. Hesitante, um jogador do Vasco recebeu a bola na pequena área e ficou decidindo pra onde chutava, ao que ele narrou: “Jéferson... Dominou... O que que eu faço com a bola? [...] Ele bateu pra fora! Inacreditável!”

Não há limites para seu sarcasmo, o que é sempre bom quando se trata de uma partida importante, sisuda, dramática. “Ô, Bruno Octávio... Que beleza, Bruno Octávio... Ele nunca fez um gol na vida de fora da área. Aí, no Palmeiras e Corinthians, aos 39 do segundo tempo, ele pensou: ‘Agora eu se consagro!’ [sic] e pegou de tornozelo na bola. Ela veio parar perto da bandeirinha de escanteio”.

Mesmo quando é ele quem escorrega, Milton Leite não perde a pose: “Gol do Barueri”, ele confessa, logo após anunciar que a bola foi fora. “Veja você.”

 

12 de junho de 2011

Histórias românticas
por Vanessa Barbara

Aos 44 anos, Judith Mawson encontrou o amor da sua vida. Após sair de um casamento traumático marcado por abuso de drogas, violência e traições, ela enfim conheceu um homem carinhoso, simples e correto, com quem passou 14 anos num casamento feliz.

Seu nome era Gary e ele posteriormente confessou ser o “Assassino de Green River”, um serial killer que estrangulou pelo menos 48 mulheres em quase duas décadas de atividade.

Na série “Com Quem *!$)& Me Casei?”, do Discovery Home & Health (ter. às 23h), Judith conta que tinha um relacionamento perfeito. Gary era atencioso e gentil. Levava a esposa para acampar, ensinou-lhe o “pasodoble”, cuidava dos poodles do casal e vivia fazendo passeios de bicicleta. Ela nunca teve motivos para duvidar de sua sinceridade.

“A única coisa que estranhei, quando fui morar com ele, é que não havia tapetes na casa”, ela recorda. Os detetives lhe disseram mais tarde que Gary devia ter usado os tapetes para enrolar os cadáveres.

É esse tipo de coisa que se descobre na bipolar e emocionalmente instável programação do Discovery Home & Health, um canal que, quando não está falando de grandes festas de casamento e de casas espetaculares, trata de infidelidades, brigas e demais atrocidades matrimoniais.

Às terças-feiras, a série conta o drama de pessoas que se casaram com ladrões de banco, espiões, falsários, bígamos ou golpistas, e só foram saber tarde demais. Mildred Muhammad, por exemplo, teve três filhos com John Allen que, após o divórcio, veio a se tornar o atirador de Washington, alvejando 17 pessoas a esmo só para poder matar Mildred sem despertar suspeitas.

Terça-feira também é dia de “Traidores”, no mesmo canal (às 22h), que exibe contos de fadas como o de uma chinesa, esposa de um chinês, que misteriosamente dá à luz um filho afro-descendente. Na série, pessoas comuns tentam juntar as peças de uma história mal contada e acabam descobrindo infidelidades e segredos dolorosos de seus cônjuges.

Tudo isso para comemorar o Dia dos Namorados com estilo e alegria. E só pra não dizer que sou catastrófica, o próprio Discovery dá a solução: “Carpinteiro a Domicílio”, todas as quartas às 20h30.

 

5 de junho de 2011

As formigas de Morgan Freeman
por Vanessa Barbara

Se há um papel que o ator Morgan Freeman sabe fazer é o de velho sábio com voz firme e comportamento sereno, bússola moral da sociedade, “voice over” da existência.

Em “Conduzindo Miss Daisy”, ele fez um motorista do tipo humilde que tira valorosas lições de vida de seu passado criando porcos. Em “Um Sonho de Liberdade”, fez um condenado endurecido pelo sistema, porém capaz de se entregar a uma amizade verdadeira.

No cinema, já aconselhou Robin Hood, Batman e Clint Eastwood, foi o presidente americano em “Impacto Profundo”, Nelson Mandela em “Invictus” e o próprio Deus em “Todo-Poderoso”.

Morgan Freeman, que aparentemente nunca foi jovem, instila uma esperança profunda advinda da experiência. Nada mais natural, portanto, que ele fosse o escolhido para apresentar o programa “Grandes Mistérios do Universo”, do Discovery Science (seg. às 21h), considerando-se que ele já entendeu tudo, há muito tempo.

Nesta série inédita de documentários, ele aborda as grandes incógnitas da existência, sob a ótica de novas teorias em astrobiologia, astrofísica e mecânica quântica. Tudo isso num tom duro, porém paternal, como nesta consideração sobre o Big Bang: “Como vamos saber se foi assim mesmo? Afinal, ninguém estava lá para ver”. As explicações científicas se alternam com lembranças de sua infância, com destaque para uma adorada fazendinha de formigas que ele criava no quarto.

Amanhã, serão abordados os buracos negros, que, segundo novas hipóteses, podem não passar de hologramas em duas dimensões na borda do universo. Nos programas anteriores, nosso velho sábio já discutiu a possibilidade de viagens no tempo, a existência de Deus e a criação da vida, destilando um farto número de hipóteses sobre quem somos, de onde viemos e o que existe para além da Terra.

A segunda temporada, que começa dia 8 nos EUA, terá um episódio de estreia sobre vida após a morte, seguido de discussões sobre a aparência dos aliens e a imortalidade.

Por algum motivo, a série não me convence – talvez porque, ao deixar inúmeras questões em aberto, ela tenta desviar o espectador de uma única certeza: Morgan Freeman já sabe tudo, e não há mais espaço para dúvidas. Nós somos as suas formigas.

 

29 de maio de 2011

Retratação
por Vanessa Barbara

Vários leitores escreveram com tochas e tridentes em repúdio à coluna de 22/5/11 sobre o “Profissão Repórter”, um programa tão útil quanto um bolso de pijama.

“Como um assíduo usuário de pijamas, achei um pouco ofensiva a comparação. No frio de Florianópolis, o bolso de pijama serve para esquentar a mão que não está segurando o controle remoto. O mesmo não pode ser dito deste programa ‘jornalístico’”, afirma o leitor Ricardo Selke, soltando fúria pelas ventas.

Meu próprio avô me censurou duramente. Ora, todos sabem que o bolso do pijama serve para abrigar o rádio de pilha, o IPod ou o próprio controle remoto, numa incursão emergencial à cozinha.

Resumindo, ele é necessário “pra você ter onde guardar suas coisas quando passa o dia inteiro de pijama”, defende a inflamada Diana Passy. “Seria muito mais fácil se eu pudesse guardar meu IPhone no bolso, em vez de ter que equilibrá-lo entre um copo de suco e um prato com caqui, enquanto eu subo as escadas.”

O bolso de pijama supre parcialmente uma demanda ainda premente, que dispõe sobre o pouso temporário de controles remotos durante um filme de mais de 3 horas, digamos, Ben-Hur (1959, William Wyler).

Aqui em casa, temos o controle da TV, o dos canais a cabo, o do Blu-Ray, o do VHS e o do DVD. Dependendo do que estamos assistindo, é preciso deixar à mão dois ou três controles, que fatalmente serão engolfados pelas dobras do sofá, pelas almofadas ou por um vórtice paralelo localizado em algum canto da sala, para onde convergem os isqueiros e as tartarugas.

Existem caixas do tipo “porta-controles”, que são de pouquíssima ou nenhuma valia. O ideal mesmo seria ter um sistema de fios presos ao teto por ventosas, de onde penderiam os controles, na altura do ocupante do sofá. Quando em desuso, grudaríamos os aparelhos à parede com velcro.

Assim eles ficariam ao alcance e não haveria chance de sentarmos em cima, mudando de canal bem na hora em que o Charlton Heston baba na túnica ou quando surge em cena uma gloriosa plataforma de aço galvanizado, pouco antes do momento das corridas.

De modo que peço desculpas publicamente se ofendi os designers de pijama e os bolsos em si. Prometo ser menos leviana.

 

22 de maio de 2011

Bolso de pijama
por Vanessa Barbara

Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou uma liminar ao advogado Marcelo Delmanto Bouchabki, que pretendia vetar a exibição de um episódio do programa “Profissão Repórter” (Globo, ter., 23h30) sobre o chamado “Crime da Rua Cuba”.

A matéria gerou expectativa até finalmente ser veiculada, no dia 17.

O programa inteiro durou uns 25 minutos. Os temas foram o Crime da Rua Cuba e o trabalho da perícia forense no Recife e em São Paulo, numa colagem de três assuntos supostamente complementares que, na verdade, se sucediam em flashes, sem que nada fosse abordado de fato.

Ainda que a atração seja produzida por jovens aspirantes, o problema é o esforço em parecer gente grande – repetindo uma fórmula batida sem nem sequer disfarçar.

A receita começa com uma afirmação bombástica e a promessa de que muitos segredos serão revelados, em tempo real, com a ajuda de câmeras escondidas e intrépidos estagiários correndo atrás de gente com fotofobia.
Alguém comenta sobre a importância do trabalho do jornalista, desfia uns adjetivos e corta para um caso real, como o homicídio de um jovem na capital pernambucana. A repórter, imbuída de boas intenções, espeta o microfone no rosto do pai da vítima, que chora junto ao cadáver e ainda tem que fazer uma declaração qualquer.

A matéria da rua Cuba teve início, claro, na rua Cuba, com a dupla de jornalistas tocando a campainha da atual proprietária da casa onde ocorreu o crime e tentando convencê-la a abrir a porta. À guisa de justificativa, alegam que é importante insistir, como se estivéssemos falando de uma arriscada cirurgia cardíaca – e não de repórteres alvoroçados em busca de revelações estrondosas e tão necessárias quanto um bolso de pijama.

Permeado por cenas fortuitas de crimes em Recife e São Paulo, o miolo da edição consistiu em conversas telefônicas com o principal suspeito – 22 anos depois –, sob o pretexto de dar a ele uma oportunidade de se expressar.

E terminou com closes do documento da Justiça em favor do programa (as partes mais buliçosas realçadas e ampliadas), a fim de mostrar como eles são importantes, temidos e sérios. Olha, mãe, sou eu na tevê.

 

15 de maio de 2011

História triste
por Vanessa Barbara

Apesar de ter sido interrompido há três anos nos Estados Unidos e estar em vias de suspensão na RedeTV!, o reality show “Dr. Hollywood” (dom. às 23h40) continuará no ar por aqui pelo menos até o fim do mês.

Trata-se de um programa capitaneado pelo cirurgião plástico Robert Rey, brasileiro radicado nos EUA que tem uma clínica milionária em Beverly Hills, onde atende mulheres ricas que desejam aumentar os seios, fazer lipoaspiração e incrementar o estofo das nádegas.

A atração mostra cenas explícitas das cirurgias e a marcação das pelancas com caneta piloto, mas isso não é o mais chocante. Chocante é o médico protagonista, um sujeito de coloração alaranjada, branqueamento nos dentes e cabelos excessivamente viçosos, adepto de camisas cor-de-rosa e gravatas da Dolce&Gabbana.

Ele cobra 5 mil dólares por uma consulta de meia hora, na qual diz coisas como: “O céu nasce no Leste e se põe no Oeste, e é aí que a festa começa de verdade”. Seus colegas andam de Porsche, usam anéis quadrados, relógios vistosos e golas rulê.

Suas pacientes têm os cabelos lisos e repicados, em geral platinados, abusam das demãos de maquiagem no rosto, vestem óculos de mosca e minivestidos de tirar o fôlego (delas mesmas).

O médico lhes promete resgatar a autoestima com a ajuda de duas esferas de silicone “que vão fazê-la cintilar de verdade como um cisne”. Sem sair da metáfora do patinho feio, ele afirma, brandindo o implante: “Esta bolinha será essencial para que o cisne voe”.

O dr. Rey se compara a personalidades como Dilma Rousseff, Barack Obama e Madre Teresa. Diz que se orgulha de ter melhorado a condição humana com seu trabalho. Entre outras coisas, assume que “médico velho não é meu amigo. Médico jovem sim. Eles querem ser como eu: se vestem como eu, usam óculos como eu. Me seguem no Twitter”.

Tristes não são os closes de peitorais definidos e barrigas tão retas que aparentemente exigiriam a remoção total dos órgãos internos. Nem são as moças loiras do interior que vêm levantar os seios e fazer compras. Triste mesmo é a confissão do dr. Robert Rey, numa entrevista para um portal de notícias, em que ele admite: “Acho que a última vez que eu comi bolo foi em 1986”.

Força aí, dr. Rey.

 

8 de maio de 2011

O inverno está chegando
por Vanessa Barbara

Estreia hoje às 21h na HBO a superprodução “A Guerra dos Tronos”, baseada no best-seller de fantasia épica “As Crônicas de Gelo e Fogo”, de George R. R. Martin.

A saga se passa nos sete reinos de Westeros, uma terra onde “o verão se estende por décadas e o inverno pode durar uma vida inteira”. Depois de nove anos de clima ameno, o frio está prestes a chegar, condenando gerações inteiras à morte por inanição e congelamento.

Tudo começa quando o conselheiro do rei morre de forma suspeita e várias famílias passam a disputar o poder, nesta história com clima medieval e pinta de “anti-Senhor dos Anéis”.

A trama é suja e tem sua cota de incesto, tragédia, conspiração, decapitações e luxúria. Ao perder seu ajudante, o rei Robert (vivido por Mark Addy) diz que procura “alguém para governar meu reino enquanto eu como, bebo e transo com prostitutas até morrer cedo demais”. Este é o lado civilizado da trama.

Do lado selvagem estão os Dothraki, uma tribo sangrenta cujo líder se casa com a princesa loira do clã dos Targaryen, numa aliança feita para engrossar os exércitos e devolver o trono a estes últimos.

Sobre essa simpática turminha de aborígenes, diz-se que “um casamento Dothraki sem ao menos três mortes é considerado um fracasso”. Após as bodas, a noiva tenta dizer “obrigada” em dialeto, mas alguém observa: “Não existe tal palavra em Dothraki”.  

Os únicos que podem ser chamados de mocinhos – e olhe lá – são os Stark, uma família de “temperamento explosivo e raciocínio lento”. O patriarca é Eddard (vivido por Sean Bean, o Boromir de “O Senhor dos Anéis”).

Seus maiores inimigos são os Lannister, de quem se pode esperar todo tipo de torpeza: ao jovem príncipe que demonstrou covardia, provocando a morte de uma criança e de um filhote de lobo, a rainha diz: “Quando você estiver no trono, a verdade será o que você quiser que ela seja”.

Em lugar de hobbits expansivos e trapalhões, temos Tyrion Lannister (Peter Dinklage), um anão cínico, lascivo e cruel, mas que é solidário aos párias e desajustados como ele. Em lugar de um anel, temos uma muralha de gelo guardada por vigilantes de negro, a proteger o reino de uma misteriosa ameaça sobrenatural.

 

1 de maio de 2011

Numerologia televisiva
por Vanessa Barbara

Os relatórios de audiência da Rede Record têm precisão matemática. Por trás de tantos números desconexos, pode-se vislumbrar uma sequência mágica que rege todo o universo televisivo, e fazer uma previsão do que há de vir.

Vejamos: na manhã de 7 de outubro, o programa “Hoje em Dia”, da Rede Record, ficou em primeiro lugar na audiência durante 59 minutos. No mesmo dia, a série “Dr. House”, exibida pela emissora, registrou a liderança por 34 minutos, com 8 pontos de média, pico de 15 e share de 29%.

Pouco depois, o “Domingo Espetacular” chegou a 20 pontos e garantiu a vice-liderança isolada no ranking geral. E o jornalístico “São Paulo no Ar” ficou em primeiro lugar durante 780 segundos numa terça-feira de manhã, o mesmo ocorrendo com a minissérie “Sansão e Dalila”, que abrilhantou o pódio por 14 minutos na região do Rio de Janeiro.

Em fevereiro, o drama “Ray”, exibido pelo Cine Record Especial, ficou na liderança por 1h14, levando a crer que muita gente só viu o filme pela metade.

Somando todos esses números, multiplicando pela preguiça de mudar de canal e dividindo pelo número de insones da casa, pode-se dizer que a emissora está disposta a segurar o calção do espectador por todos os meios possíveis.

Na última terça-feira, o público paulista garantiu a primeira colocação do programa “Ídolos” durante 37 minutos – muito mais do que eu pude aguentar.

Nessa edição do reality, que busca novos cantores, dezenas de candidatos passaram por uma breve e humilhante audição, da qual só três saíram aprovados, num programa de quase uma hora de duração.

Em  busca de gloriosos segundos de vantagem, os jurados ridicularizaram os participantes, abusaram das caretas e receberam uma quantidade propositalmente alta de candidatos bizarros.

Os jurados compararam o talento dos calouros com uma Pepsi sem gás, uma aula de física, um miado de gato, e mandaram que considerassem a “possibilidade de não cantar mais nada”.

Dava pra perceber o esforço. Talvez fosse mais simples hipnotizar a audiência com um relatório do Ibope em tempo real, narrado pelo Britto Jr., e botar todo mundo pra dormir, garantindo assim umas oito horas de liderança e share de 40%.

 

24 de abril de 2011

O gravador digital
por Vanessa Barbara

Depois da penicilina, da internet e do descascador de legumes, o gravador digital de vídeo (DVR) é a maior invenção do homem. É como um videocassete, mas não precisa de fita (o conteúdo é armazenado no disco rígido) e nem de um PhD em física para agendar as gravações.

Digo isso com a experiência de quem ganhou do pai um videocassete de consórcio, na década de 80, e pouco depois já dominava a tela de configurações.

Foram dezenas de fitas gravadas com episódios de “Animaniacs”, filmes em duas partes, o piloto de “A Gata e o Rato” e a abertura das Olimpíadas de 1992. Mais tarde, passei a estudar a relação mensal de filmes da TV a cabo, um catálogo com 1500 títulos que eu selecionava para deixar gravando.

Isso sem contar o ano de 1999, em que registrei todos os episódios do “Vestibulando” e chorei no final. Algumas fitas foram tão regravadas que havia uma camada grossa e muito tóxica de corretivo líquido no rótulo de identificação.
Com o DVR, tudo ficou mais prático. O pioneiro foi o americano TiVo, cuja novidade era detectar e excluir os comerciais. Tais aparelhos têm capacidade para 100 horas de conteúdo e funções como replay, pausa e gravação simultânea.

Possuem um guia eletrônico que dispensa cálculos mais rebuscados, como programar um filme de 188 minutos que começa às 2h15 P.M. com uma folga antes e depois, devendo ser gravado no canal 3 com o receptor ligado no 61 e o formato SLP, pra não comer muita fita.

No DVR, basta escolher o canal e selecionar o item desejado. É possível efetuar buscas por título, ator ou diretor, e agendar a gravação de episódios múltiplos.
Só falta exigir mais precisão das emissoras, sobretudo as abertas, que não respeitam as próprias grades. Num teste aleatório, só o SBT e a Gazeta foram rigorosos, possibilitando a gravação integral de “Chapolim” e “Estação Pet”.

A novela da Globo foi cortada no final (“Insensato Coração”), assim como a da Record, “Rebelde”. O “Liang Gong” da Cultura foi interrompido no ápice.

A Band exibiu o “CQC” com 15 minutos de atraso, e a RedeTV! fez o mesmo com “Dr. Hollywood”. Este foi cortado bem na hora em que uma moça mostrava o resultado de sua plástica e dizia: “vou tentar surfar com os meus novos seios”.

 

17 de abril de 2011

Coisa de menino
por Vanessa Barbara

Tomado pela mais sincera candura, Christian Wellisch olha bem para a câmera e declara: “Adoro bater nas pessoas”. Ele é conhecido como Pesadelo Húngaro e é lutador de Artes Marciais Mistas (MMA, em inglês), o popular vale-tudo.

Nessa modalidade, os competidores podem usar inúmeras técnicas: boxe, jiu-jitsu, caratê, judô, kickboxing, muay thai e luta greco-romana. Só não vale morder, puxar o cabelo, dar cabeçada e dedo no olho, o que sinceramente me deixou decepcionada.

A principal competição de MMA é o Ultimate Fighting Championship, que vem atingindo uma popularidade cada vez maior nos EUA, onde já conta com 2 milhões de espectadores. Por aqui, o UFC é exibido aos sábados de madrugada em duas emissoras: na RedeTV! (sáb., 0h) e no Canal Combate, em pay-per-view.

É o tipo de coisa que se pode assistir por horas a fio, uma superprodução com holofotes ostensivos, brutamontes de capuz, sangue no octógono e muito dinheiro envolvido.

Para completar o circo, há bravatas impagáveis e declarações viris dos lutadores contra seus rivais, à moda do bom e velho Mike Tyson: “Acerto o nariz do meu oponente para que o osso entre no cérebro”.

Os lutadores possuem apelidos como “Carrasco Africano”, “Jovem Assassino”, “Maníaco Hispânico”, “Mestre da Maldade”, “Pavio Curto”, “Rolo Compressor Filipino”, “Ninja do Amor” (?) e “O Homem Mais Perigoso do Universo”. Há também um lutador chamado Josh “Dentista” Neer.

As transmissões do Canal Combate são as mais divertidas, pois contam com um time de intrépidos comentaristas. (Lembrem-se: estamos lidando com caras que podem te fazer desmaiar com um chute na cara.)

Sobre um lutador mais rechonchudo que trazia uma tatuagem com o mapa do Havaí no peito, Luciano Andrade perguntou: “Será que ele surfa?”. Ao que João Guilherme respondeu, sem pensar: “Teria que ser uma prancha bem reforçada”.

O jornalista continua vivo e passa bem.

Semana passada, a mesma dupla iluminada declarou que certo lutador “não era nenhum mosca-morta”. Entretanto, seu rival parecia “estar tirando um pirulito de uma criança de seis meses”. Pausa. “Que, aliás, não chupa pirulito com seis meses.”

Pensando bem, talvez os comentaristas tenham sido afetados por algum tipo de voadora.

 

10 de abril de 2011

Onde a mobilete tem valor
por Vanessa Barbara

Tendo nascido e crescido na zona norte, foi com ardor patriótico que assisti ao programa “Manos e Minas” (Cultura, sáb. às 18h) do último dia 2.

A atração, voltada à periferia, é repleta de rap, hip-hop e grafite. Desta vez, o quadro “Suburbano Convicto” mostrou o bairro do Lauzane, onde “boa parte da vida cultural da quebrada fica na mão de dois caras: o Rashid e o Projota”.

Partindo da praça Ultramarino, onde os nativos jogam dominó e o jardineiro Pedro comanda as samambaias, os rappers levam o repórter “pra trocar uma ideia lá na laje”.

Tudo começou quando MC Rashid quis mostrar à avó as letras e batidas de sua música, e junto com o vizinho Projota fundou o “Rap no Lauzane”, um evento no portão de casa.

“Na primeira vez que ganhei um dinheiro, cheguei e falei: ‘Aí, vó, hoje vai ter pizza’”. A referida senhora é a musa de uma das canções de Rashid, na qual ele expressa sua gratidão e pede desculpas pelos palavrões. 

O “Rap do Ônibus” fala de duas linhas antológicas, o 1744 e 178L. Diz o refrão: “Ô cobrador, deixa os menino passar/ Vou sofrer uma hora e meia e ainda tenho que pagar/ Libera aê, porque tá caro pra caraio”.

Como um nativo típico, desses que levam meia hora para aportar no metrô, ele diz que “dá mais trabalho chegar no trabalho do que trabalhar”.

Foi quando fiquei de pé para entoar, mão no peito, o rap “Lauzane”, que doravante empregarei como hino. No videoclipe, a avó de Rashid aparece ao fundo, com sua blusinha de lã, enquanto a coletividade canta: “Se num lugar me sinto bem, é lá/ Tô tranquilão com meus irmãos no Lauzane”.

A canção fala alto ao orgulho cívico: “Só quem vem de 8L pendurado/ O instinto pede pra descer na porta do mercado”. E completa: “Sou mais um com os pés aqui e a pele de Angola/ Atravesso a Valorbe com as mão cheias de sacola”.

Está tudo lá: o batuque na lata de cortante, os moleques de bermuda tactel (“dois números a mais”) e a proporção de 500 corinthianos para meia dúzia de santistas.

Fala-se também do status da mobilete num bairro de ladeiras (“razão da preparação física do time do Pedreira”). E, por fim: “Quem ama o seu lugar como eu amo, tio, enxerga uma estrela a mais na bandeira do Brasil”. 

 

3 de abril de 2011

Pegue suas facas e vá embora
por Vanessa Barbara

Ninguém está livre de “dar os cinco minutos” quando se trata de séries de TV. Aqui em casa, ficamos irremediavelmente viciados em reality shows culinários – sobretudo em “Top Chef” (Sony, sáb. às 23h), que está em sua melhor temporada.

Na atração, 15 chefs de cozinha competem pelo título de Top Chef e um prêmio de 125 mil dólares. Nos EUA, o programa já está na nona temporada, mas por aqui ainda estamos assistindo a sexta.

Cada episódio consiste em dois desafios: o rápido, que confere imunidade ao vencedor e/ou prêmios em dinheiro, e o eliminatório, que desclassifica um ou dois chefs da competição.

A sexta temporada chegou a ser proclamada pelos juízes como a mais forte: há o ruivo Kevin, especialista em cocção de suínos, a neurótica Jennifer, com sua descontrolada agressividade culinária, e os irmãos Voltaggio, sofisticados representantes da cozinha internacional desconstrutivista.

Além do porto-riquenho Hector Santiago, que costuma fritar todos os seus pratos – mesmo depois de prontos.

Num episódio recente, um dos juízes chegou a cuspir a comida de um concorrente e outro se referiu a um patê como “ração de gato”. No último programa, alguém fez uma sopa de pepino e abacate apimentado para acompanhar um salgadinho de cebola e ganhou o desafio. Um dos Voltaggio cozinhou couve-de-Bruxelas com rúcula e foi chamado de Picasso.

Como sempre, a temporada tem sobremesas com bacon, comidas com cacto, receitas desconstruídas, gastronomia molecular, vieiras, espumas, reduções e o misterioso “sous vide”, além de muito funcho, ceviche e halibute – essas comidas que a gente nunca sabe bem o que são.

No próximo sábado, a convidada especial será a atriz Natalie Portman, que obrigará os mais ferrenhos defensores do porco a preparar um prato vegetariano. Outros juízes desta rodada são a chef e apresentadora de TV Nigella Lawson e os ilusionistas Penn & Teller.

No âmbito privado, a série revolucionou nosso cardápio da madrugada: agora enfiamos miojo num saco plástico para cozinhar em “sous vide” e empilhamos finas rodelas de banana, fatias de bolo de rolo e salame, decorando com folhas de funcho e creme de ruibarbo.

Resta saber por que chamam de “funcho” e não de “erva-doce”.

 

27 de março de 2011

Acredite... se quiser
por Vanessa Barbara

No último dia 18, estreou na Band o programa “Acredite se Quiser” (sex., 22h15), um show de variedades baseado no americano “Ripley’s believe it or not”.

No Brasil, a atração fez sucesso nos anos 80, quando foi exibida pela Rede Manchete sob a apresentação do ator Jack Palance. Com a maior calma do mundo, ele mostrava reportagens sobre assuntos insólitos, como um menino-bolha, ursos ginastas e verduras gigantes.

A versão da Band é produzida pela Sony e traz apenas casos americanos. O episódio de estreia mostra um homem com uma faca de 28 cm enterrada no crânio, uma cadela bassê que acredita ser mãe de três telefones sem fio, um artista que completou uma réplica da Torre Eiffel com os próprios dentes e um sujeito que andou numa corda bamba entre dois edifícios de vinte andares.

Na série brasileira, tem-se a impressão de que todos os vídeos foram feitos em 1988. O equilibrista não causa o menor espanto, até porque, já em 1974, Philippe Petit atravessou as Torres Gêmeas do World Trade Center num cabo de aço, a uma altura de 400 metros.

A comedora de minhocas e o homem que desafia um jacaré também parecem saídos do século dezenove, sendo facilmente ultrapassados por uma visita ao You Tube, ao Google ou à enciclopédia “O Mundo Pitoresco” (Jackson Ed., 1944).

Há algo ainda pior nesta versão de “Acredite Se Quiser!”: o alarmismo. Um tom sensacionalista e espetacular domina a narração, desnecessariamente adjetivada, numa tentativa de prefigurar a reação do espectador.

O primeiro caso é “apavorante”, diz o narrador: um homem “malvado” enfiou uma “faca do Rambo” no crânio de outro e houve uma cirurgia “perigosa”. A palavra “inacreditável” é repetida às dúzias, bem como “glorioso”, “grotesco” e “espetacular”. As minhocas engolidas pela dançarina são “nojentas, escorregadias, molhadas e pegajosas”.

A toda hora, recomenda-se que o espectador “não faça isso em casa”, embora seja improvável que alguém tente enfiar uma faca serrilhada no próprio crânio.

É uma diferença considerável do programa original, em que Palance (dublado por Darcy Pedrosa) apresentava as histórias com uma voz calma, neutra e indiferente. Na Band, o apresentador Felipe Folgosi só falta comer minhocas.

 

20 de março de 2011

Atropelando bebês
por Vanessa Barbara

Ignorado no Brasil, o reality show “The OCD Project”, do canal VH1, agrupou seis pessoas com formas severas de TOC (transtorno obsessivo-compulsivo, OCD em inglês) para fazer um tratamento de três semanas numa casa.

Em oito episódios, o dr. David Tolin, diretor do Centro de Transtornos da Ansiedade do Hospital de Hartford, submeteu seus pacientes a uma terapia de exposição radical, com base no método cognitivo-comportamental.

Arine, de 25 anos, sofria de germofobia (medo de se contaminar). O dr. Tolin a fez comer um bolinho embebido em água de privada. Kristen, de 28 anos, tinha a mesma doença, e acabou entrando numa piscina com xixi.

Tracy temia que seu filho morresse de câncer, e por isso efetuava rituais de acender e apagar luzes. O terapeuta simulou o enterro do menino e mandou-a discursar em sua memória.

Compreende-se que o programa seja ignorado por aqui, e com razão. O médico é arrogante e leva jeito para celebridade. A proposta de curar pacientes em pouco tempo e com exposições extremas (passar um tempo na prisão, lamber a sola dos sapatos) os prejudica unicamente em favor do espetáculo.

Mas há momentos interessantes: a primeira tarefa dos confinados é descrever à exaustão seus maiores medos e estimar a possibilidade real de que aconteçam. O exercício se destina a dar as devidas proporções aos temores e preconizar uma sensibilização a eles, lenta e gradual.

Outro ponto alto é mostrar o processo de habituação à fobia. Na série, isso se resume a uma única cena: Arine mergulha as mãos em chorume e as leva ao rosto. “Qual é o seu nível?”, pergunta Tolin, referindo-se a uma escala de ansiedade. Ela começa com 100, depois desce para 80 e de repente está em 35. “Isso é habituação”, ele explica. “Parabéns”.

Arine também é a protagonista da melhor cena da temporada. Outro de seus pavores é o medo de atropelar pessoas, e por isso ela tem a mania de dar voltas e voltas com o carro para se certificar de que está tudo bem. Tratamento: enquanto ela dirige, o doutor vai atirando no para-brisas um monte de bonecas, cabeças de plástico e muletas, gritando: “Oh, meu Deus! Ela atropelou um bebê! Oh, meu Deus!”.

Não sei bem se a Anistia Internacional aprovaria.

 

13 de março de 2011

A teoria da calopsita
por Vanessa Barbara

Muitos leitores escreveram para manifestar seu apoio à coluna “No próximo bloco, insânia” (23 de janeiro).

O engenheiro de sistemas Marcio José Porta conta que, em 1988, participou do planejamento financeiro da TVA, uma das primeiras operadoras de TV por assinatura no Brasil. Enquanto preenchia planilhas, perguntou se, além das receitas de assinatura, deveria considerar também as de publicidade.

“Claro que não. Os assinantes não irão admitir publicidade na TV por assinatura”, respondeu o chefe.

Ou seja: não foi por maldade. Em algum momento da história, um estagiário deve ter inserido, só de sacanagem, um comercial na grade de uma emissora a cabo. Ninguém reparou.

Daí para chegar aos cinco minutos de intervalo – os mesmos – a cada dez de programação, foi preciso apenas que as pessoas não se manifestassem. O atrevimento é tão grande que hoje o problema não é mais da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), mas da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).

Até os canais Telecine, outrora incansáveis bastiões dos filmes sem intervalos, aderiram ao “voltamos em dois minutos”, só para encaixar informes da programação.

Uma leitora, pedindo desculpas pelos palavrões, reclamou também do looping infinito dos filmes. “‘Velozes e Furiosos’ é o campeão: já vi passar em três canais ao mesmo tempo”. Eu acrescentaria à lista “Um lugar chamado Notting Hill” e “A Identidade Bourne”, que deve passar na Fox em dias alternados (o resto do tempo é preenchido com “Os Simpsons”).

Muitos sugerem que os canais sejam obrigados a informar o tempo líquido do programa e a porcentagem de comerciais, para que as pessoas decidam se estão dispostas a assisti-lo. Outros dizem que se deve estipular um limite de veiculação para a mesma peça publicitária (uma vez por hora), a fim de coibir a repetição.

Sugiro que informem também os efeitos colaterais da exposição, como: ansiedade, palpitação, ira e catatonia. E que admitam de vez que não há ninguém no estúdio de transmissão, só uma sonolenta calopsita silvestre, cujo ofício é copiar e colar os mesmos reclames em intervalos aleatórios. E botar a fita pra rodar no dia primeiro de cada mês.

 

8 de março de 2011

Passa rápido o desfile carioca
por Vanessa Barbara, para o caderno "Cotidiano"

Os locutores bem que tentaram, mas não há conversa que se sustente diante dos delirantes enredos das escolas de samba. No Rio de Janeiro, por exemplo, a Mocidade Independente abordou a história da agropecuária brasileira, a Vila Isabel falou de cabelo e a União da Ilha escolheu o evolucionismo.

Um dos melhores temas foi o da Portela, com um samba-enredo sobre as grandes navegações. E dá-lhe Fenícia, Farol de Alexandria, galés do Oriente, especiarias, navios negreiros, Iemanjá e até um ou outro pirata, numa letra que “deságua na imaginação”.
É trabalho dobrado para os comentaristas, que precisam dar naturalidade ao texto fornecido pelas escolas e arrumar nexo histórico para tudo. Nessa balbúrdia, a Imperatriz Leopoldinense falou das origens da medicina e conseguiu ir dos curandeiros da África à vaca louca, passando por centauros e homeopatia.

“Esses chifres representam os chifres do antílope”, tenta explicar o narrador Luis Roberto, ou então: “Esta ala invoca o ritual de magia da mãe África, a sabedoria da mãe natureza que curava com batidas de tambor”.

No sambódromo, há um bloco de múmias “que representam o processo de conservação natural de corpos no antigo Egito”, segundo a locutora Glenda Kozlowski, fazendo o que pode.

Atordoado, Luis Roberto tenta aparentar espontaneidade: “Vamos dar uma passadinha pela China também, a influência do taoísmo na medicina...”. Silêncio. Ele faz sua última tentativa (5 de 5) de emplacar uma discussão sobre a “função precípua” da comissão de frente, que é de reverenciar a plateia e apresentar a escola aos jurados. Fala-se no nariz entupido do puxador Dominguinhos do Estácio, mas o assunto torna a morrer.

Na passagem da ala que homenageia os Raios-X, Luis Roberto pergunta à colega: “Sabe quando foi descoberto o Raio-X?”. Ela retruca, animada: “Não, me conta”. Ele diz que foi em 1895, e ela: “Passa rápido, né?”.

 

7 de março de 2011

Momices televisivas
por Vanessa Barbara, para o caderno "Cotidiano"

Há que se aplaudir a coragem dos que passam a madrugada comentando desfiles de Carnaval na TV, mesmo diante do risco de virarem legumes. Todavia, isso não os isenta do escrutínio dos críticos, que avaliam suas performances sob os mesmos critérios da apuração do Carnaval.

No sábado, enquanto a bateria de trocadilhos infames abria com um comentário de Cléber Machado – “O povo está esperando a Nenê, que já não é mais nenhuma criança” – , o quesito evolução do raciocínio seguia mediano (nota 6,5).

O conjunto também não se destaca. Cléber discorre sobre a salinidade do mar, ao que Mariana Godoy emenda: “E assim surgiu a feijoada”. Harmonia: zero.

O critério da fantasia tem seu ápice (nota 8,5) no desfile da Águia de Ouro, quando uma repórter de campo anuncia: “Estou aqui, em meio aos homens pré-históricos...”. O ponto alto é um carro alegórico que festeja a Inquisição, com direito a verdugos sacolejando e um Torquemada feliz.

Liderando a comissão de frente, Mariana lê o material de apresentação da Mocidade Alegre: “A intenção da escola é a seguinte: aquele que embarcar na ilusão vai embarcar num carrossel que vai levar à ilusão”. Pausa. Para mudar de assunto, acrescenta: “A criança que você foi ainda está dentro de você”.

A única nota dez vai para o Mestre-Sala Cléber Machado, que, encorajado pelo tropicão de sua Porta-Bandeira, diz: “Tão importantes quanto as cartas são as cartolas, de onde saem os coelhos”.

Às 4h25, o cansaço se instala. Cléber é lacônico e mal consegue apresentar a Ala da Pedofilia na X-9. Também troca “telespectador” por “torcedor” e, até então comedido, comete um ato falho: “Cris Rabelo, parabéns pela sua comissão de frente”. “Da X-9”, completa.

Daí pra frente liberou geral: Chico Pinheiro graceja com as repórteres de campo e declara, a respeito do chapéu de uma passista: “Quem é que olha para a cabeça com um corpo desses?”. Faz-se uma pausa, em que provavelmente a mulher de Chico entrou com os papéis do divórcio. “Digam que não me arrependo de nada”, ele entoaria, em rede nacional.

Mas não. Eram 5h15 e a dupla de locutores decidiu que valia a pena enumerar os sete emirados árabes, a título de ilustração. Nota final: 6,6.

 

6 de março de 2011

O cinismo de Charlie
por Vanessa Barbara, especial para a "Ilustrada"

“Não sou um completo inútil, posso servir de mau exemplo”, diz Charlie Harper, o protagonista de “Two and a Half Men”.

Nas últimas semanas, o ator Charlie Sheen tem seguido à risca a filosofia de seu personagem, um mulherengo alcoólatra que “ganha uma fortuna trabalhando pouco, dorme com mulheres lindas que não ligam para os seus sentimentos e, às vezes, durante o dia, sem nenhum motivo, prepara um monte de margaritas e tira um cochilo ao sol”.

Na série, o bon-vivant Charlie se vê obrigado a acolher o irmão Alan, um quiroprata recém-divorciado, e o sobrinho Jake, de dez anos.

A atração, em sua oitava temporada, era campeã de audiência nos EUA, com uma média de 15 milhões de espectadores por semana. Sheen ganhava o maior salário da tevê: 1,25 milhões de dólares por episódio.

O sucesso esteve relacionado, desde o início, às tiradas cínicas do protagonista, alter ego do próprio ator. Charlie Harper é imaturo e adora refugiar-se em bares onde “as garrafas são cheias e as mulheres, vazias”. Charlie Sheen, idem.

Usuário confesso de crack e cocaína, ele trocou na semana passada o programa de reabilitação por uma viagem às Bahamas na companhia de três loiras: a ex-mulher, Brooke Mueller, que outrora o denunciara por agressão, e duas atrizes pornô de 24 anos.

O Charlie ficcional tem um histórico parecido. Ao levar um fora da namorada, diz não saber bem o motivo: pode ter sido seu alcoolismo, sua compulsão por apostas ou o fato de ter dormido com a melhor amiga dela. “Mas me recuperei e fui morar com uma stripper viciada. Só que ela já era casada. Então achei que devia dar um tempo com os namoros e sair só com prostitutas.”

Cansado de tanto cinismo, o criador da série Chuck Lorre divulgou um manifesto levemente constrangedor logo após os créditos do último episódio, o que mais tarde deu origem à declaração ofensiva de Sheen e ao fim da série.

Lorre disse que passa fio dental todas as noites e faz radiografias periódicas do tórax. “Eu não bebo. Não fumo. Não uso drogas. Não pratico sexo selvagem com estranhos. Se Sheen viver mais do que eu, ficarei muito puto.”

Ao que tudo indica, Charlie Sheen já tem um lugar reservado no inferno. “Ótimo”, diria Charlie Harper. “Odeio ter que pegar fila.”

 

6 de março de 2011

Bial cede ao desvario
por Vanessa Barbara

Pedro Bial enlouqueceu de vez. Faltam três semanas para o fim do “Big Brother Brasil 11”, mas já dá pra eleger sua adesão definitiva ao nonsense como o destaque desta edição.

No discurso de eliminação de Adriana, no último dia 22, o sr. Nexo e a dona Coerência foram dar uma longa volta e esqueceram suas blusas de frio. O apresentador começou dizendo que “está rolando malícia demais e imaginação de menos”, e emendou afirmando que Adriana “do limão fez limonada, sem despentear o cabelo dele”. (Perceba a atordoante inversão dos elementos sintáticos.)

Comparou Rodrigão a Sansão e Wesley ao rei Artur, “que recebeu espada e queijo na mão. Desdenhou do queijo, vai entender. E ainda doou, com salamaleques, a faca ao rival.” Ele continua: “Espinafre também tem seu valor, é verdade”, referindo-se a Deus sabe o quê.

Àquela altura, muitos espectadores decidiram medir a febre. Boninho acionou os psiquiatras do Projac, que não são poucos. Bial concluiu: “E beleza por beleza, já foi dito por Safo, sete séculos antes de Cristo: ‘Quem é belo, o é naquele instante quando está diante dos olhos. Quem também é bom, o será agora e sempre.’”

E assim ele anuncia a eliminação de Adriana, cujos batimentos cardíacos oscilaram o tempo todo, numa vã tentativa de captar o sentido do discurso. Rodrigão era o mais calmo dos três, talvez porque desistira de entender. Há quem diga que efetuava mentalmente uma operação matemática de subtração.

Até então, Adriana fora a responsável por duas das melhores frases do programa: a primeira, ao vestir a fantasia de símio, quando perguntou: “Mas tem macaco hoje em dia?”. A segunda, antes do paredão, quando declarou que uma das coisas que mais gostou no confinamento foi ter aprendido palavras novas.

Em tempo: Adriana era também uma das mais fiéis executoras da Manobra Picard. O termo, tirado da série “Jornada nas Estrelas”, designa aquela ajeitadinha no uniforme que se dá ao levantar, muito comum na série de ficção científica (o figurino era justo) e mais ainda nos reality shows. Mil vezes ao dia, como numa coreografia, as participantes se erguem do sofá e repuxam suas microssaias.

Afinal, dizia Safo, “se você é sensível, não futuque os seixos da praia”.

 

27 de fevereiro de 2011

Troca de família
por Vanessa Barbara

“A comida aqui é péssima”, diz uma senhora num restaurante. “E vem em porções tão pequenas!”

A piada de Woody Allen se aplica perfeitamente a alguns programas de tevê, como séries e telejornais que, a despeito de serem ruins, são também curtos demais.

O mesmo não se pode dizer do reality show “Troca de Família” (Record, terças e quintas às 23h), baseado no programa “Trading Spouses”, da Fox. A versão brasileira é duas vezes mais longa que a original: cada experiência é contada em dois programas de 54 minutos.

Na atração, duas famílias fazem um intercâmbio de esposas por uma semana, ganhando 25 mil reais pela participação. A mãe substituta decide como aplicar o dinheiro. “É angústia que não acaba mais”, exclama a apresentadora Amanda Françozo.

Na quinta temporada, que começou dia 8, a escritora gaúcha Clara Averbuck trocou com a estilista baiana Daniela McMullan, num episódio que levantou suspeitas de traição entre o marido de Clara e Daniela.

No episódio seguinte, foi a vez da vegetariana Fernanda Tavares trocar de lugar com Adriana Silva, esposa de peão de rodeio. Na série, uma cigana já revezou com uma metódica, uma japonesa com uma naturista, uma palmeirense com uma corinthiana.

Duas coisas me incomodam: primeiro, saber que o programa é gravado com um ano de antecedência e que, portanto, boa parte dos casais já se separou –– como Clara e também Gretchen que, meses após a gravação, pediu o divórcio e desposou o 14o marido.

Se não há como agilizar o processo de edição, sugiro que acrescentem legendas atualizadas após os créditos, como: “Dois meses depois, Clodoaldo pediu o desquite e virou ateu”, ou “A pedidos da família, Maria hoje toma medicamentos para tratar o chulé”.

A segunda crítica se dirige às esposas. Caso tivessem senso de oportunidade, elas podiam aproveitar a humilhação em curso para praticar uma saudável vingança.

A esposa sertaneja, por exemplo, poderia obrigar a família da vegetariana a gastar o dinheiro numa churrasqueira. Outra poderia mencionar em sua carta as “despesas inevitáveis com a internação psiquiátrica de toda a família”. E a japonesa poderia determinar que a turma dos naturistas usasse todo o valor do prêmio para abrir uma confecção de maiôs.

 

20 de fevereiro de 2011

Faca no pescoço
por Vanessa Barbara

Amanhã estreia no Brasil a terceira temporada de “Em Terapia” (HBO, 21h25). A série será exibida de segunda a quinta-feira em episódios de aproximadamente 25 minutos cada, em tempo real, feito uma sessão de terapia.

Um por dia, os pacientes se instalam no divã do dr. Paul Weston (Gabriel Byrne, vencedor do Globo de Ouro) e desfiam suas angústias. Na semana seguinte, retornam para dar continuidade ao tratamento.

Na última temporada, o psicanalista analisou uma ex-paciente que o culpava por tê-la feito abortar há vinte anos, um executivo que o pagava por resposta e uma jovem com câncer em estado de negação. Como se não bastasse, estava sendo processado pela morte de um paciente.

Para fechar a semana, é o dr. Weston que vai à terapia, num episódio sempre tenso em que ele praticamente sobe ao ringue com Gina, a psicanalista interpretada por Dianne Wiest –– que ele chama de “aranha sonolenta esperando para dar o bote”. Nesta nova edição, a terapeuta é Adele (Amy Ryan), mais jovem, porém tão dura quanto sua predecessora.

“Em Terapia” é uma série angustiante e deprimente. Nas palavras de uma paciente, é como “uma faca no seu pescoço: você fica aliviado quando sai”. O desconforto permanece por um bom tempo e, na melhor das hipóteses, desanda na sensação de ser uma das pessoas mais equilibradas do mundo. É um alívio não ter um analista como Paul.

Pois a lógica do dr. House em matéria de catástrofe profissional se aplica ao dr. Weston: é raro que os pacientes saiam do consultório felizes, iluminados ou satisfeitos. Pelo contrário. São poucos os momentos de humor e leveza da trama, à exceção de uma ou outra sessão com a ginasta Sophie (da primeira temporada) e com o gordinho da tartaruga, da segunda.

De resto, é tudo dor e inconclusão, num ofício segundo o qual, nas palavras do próprio Paul, “o cliente nunca tem razão”.

Até agora, a série americana era uma adaptação do original israelense, “Be’Tipul”. A partir deste ano, os argumentos passam a ser originais, embora ainda estejam a cargo de Rodrigo García, filho do escritor Gabriel García Márquez.

Aos leitores que ainda tiverem dúvidas, sinto informá-los que nosso horário acabou. Conversaremos sobre isso na semana que vem.

 

13 de fevereiro de 2011

O rei dos crossovers
por Vanessa Barbara

Dá-se o nome de “crossover” ao cruzamento entre personagens, cenários ou eventos de séries distintas de TV. Por exemplo: a garçonete Ursula, de “Mad About You”, às vezes aparece em “Friends” como irmã gêmea de Phoebe Buffay. Um blecaute causado pelo protagonista do primeiro foi sentido pelos personagens do segundo. E Paul Buchanan já emprestou o apartamento para Kramer, de “Seinfeld”.

Também entre “Arquivo-X” e “Millenium” houve uma parceria, quando Frank Black ajudou Fox Mulder a resolver um pepino. Mas o crossover definitivo, o rei da esquizofrenia televisiva, ainda está para ser escrito. Segue uma gentil colaboração:

Exterior – Noite

Tudo começa quando o psicopata Dexter Morgan (da série “Dexter”) comete um crime hediondo com uma faca enferrujada e não termina o serviço. Moribunda, a vítima rasteja até o hospital Princeton-Plainsboro, onde é atendida por um médico de bengala (“House”) e seu imediato em serviço (“Star Trek”).

O paciente, identificado como Jeremy Bentham (“Lost”), é diagnosticado como portador de lúpus e ganha uma instigante punção lombar, mas a temporada estava no fim e ele teve que ir a óbito em respeito à unidade aristotélica da trama.

O corpo é levado à funerária Fisher & Sons (“A Sete Palmos”), onde Jeremy se depara com um papa-defuntos estranhamente parecido com seu assassino. Era Michael C. Hall.
À cerimônia fúnebre comparecem os agentes do FBI Olivia Dunham (“Fringe”) e Dale Cooper (“Twin Peaks”), que prometem capturar o assassino, fosse ele deste mundo ou não (“Além da Imaginação”).

Como esperado, ambos creditam o crime a uma trama conspiratória envolvendo Al Capone (“O Império do Contrabando”), a máfia siciliana (“Família Soprano”), um nazista da sopa (“Seinfeld”) e um anão que fala de trás pra frente (“Twin Peaks”). Vão todos parar no consultório do dr. Paul Weston (“Em Terapia”), como já deveriam ter feito há muito tempo.

Por fim, o caso é solucionado pelo policial Jimmy McNulty (“The Wire”), que planta pistas falsas, suborna traficantes e chama um detetive confuso (“Monk”) para meter os roteiristas no xilindró.

O episódio termina com Jack Bauer (“24 horas”) chutando a porta e esmagando os créditos com desnecessária truculência.

 

6 de fevereiro de 2011

100% de aproveitamento
por Vanessa Barbara

Dos dezenove participantes do “Big Brother Brasil 11” (Globo, 22h15, classificação indicativa: 12 anos), mais da metade mora com os pais. Há sete modelos, três dançarinos e um nefrologista, que dificilmente terá oportunidade de pôr seus talentos em prática.

É gente que passará dois meses confinada numa casa, sem fazer absolutamente nada de útil.

Considerando-se que a Globo paga salário a todos e até agora não se atinou com o franco desperdício de mão de obra, aqui vão as minhas sugestões para a reformulação do reality.

Em vez de eliminar dois participantes de uma vez e trocá-los por outros dois, o que matematicamente dá na mesma, seria melhor enxugar a folha de pagamento e demitir cinco por justa causa. Os restantes acumulariam funções.

Em lugar de promover festas com bebidas energéticas, orgias de picolés e sessões de cinema para o líder, Boninho deveria instituir uma rotina de 12 horas de trabalho por dia, com linhas de produção para confeccionar clones da boneca Maria Eugênia, mascote do ex-BBB Kleber Bambam.

O setor administrativo da emissora poderá sair de férias ou delegar o excesso de serviço aos brothers. Mesmo Bial pode exigir que um dos participantes (sugestão: Diogo) o substitua.

A alta produtividade dos confinados não prejudicará a audiência, pois todas as tarefas serão obrigatoriamente executadas de biquíni. As conversas à beira da piscina, por exemplo, acontecerão enquanto os envolvidos descascam uma pilha de batatas. Durante a labuta, os brothers poderão fofocar à vontade, espalhar maledicências, debulhar-se em lágrimas etc.

Entrará para a história a cena em que Rodrigão larga o maçarico e vai abordar a colega Paula, que pede só um minuto para concluir sua ânfora em argila.

O paredão será literal, quando as futuras celebridades terão que erguer um muro de tijolos resistente (paredão duplo ou triplo), sob a supervisão de um empreiteiro famoso. O líder da semana ficará ao fundo, gritando REMEM! REMEM!, e o Anjo irá ao confessionário com um padre de verdade, a fim de garantir a salvação das almas.

Todos doarão à comunidade seu tempo, sangue, medula óssea e, quiçá, um dos rins. Quando essa hora chegar, finalmente encontraremos um uso para o nefrologista residente.

 

30 de janeiro de 2011

Suécia, terra da alegria
por Vanessa Barbara

Chega de detetives geniais, excêntricos ou espirituosos. Agora a moda é inspetores enfadonhos, depressivos e sem nenhum dote intelectual extraordinário.

O mais insigne deles, se é que podemos dizer assim, é o britânico Inspetor Morse, da série homônima da ITV exibida entre 1987 a 2000. (Falaremos dele em outra ocasião, a fim de evitar que os leitores cochilem.)

O mais recente é Kurt Wallander, aclamado detetive criado pelo escritor sueco Henning Mankell. Diante do sucesso dos livros, uma produtora escandinava lançou em 2005 a série de TV “Wallander”, exibida pela BBC4 e, no Brasil, pela Film&Arts, com duas temporadas de treze episódios cada.

Wallander é um policial de meia-idade solitário, divorciado e alcoólatra, com hábitos de vida pouco recomendáveis. Nas investigações, é dado a rompantes de raiva. Não se dá bem com a família, nem com os colegas de trabalho.

Fascinado pelo alto-astral do escandinavo, o ator shakespeariano Kenneth Branagh resolveu interpretá-lo numa nova adaptação para a BBC escocesa. Em 2008, estreou o “Wallander” britânico, com duas ótimas temporadas de três episódios – a primeira saiu em DVD no Brasil.

A julgar pela ficção, a pacata cidade de Ystad é uma espécie de Bronx dos países nórdicos. Não se deixe enganar pelo que dizem da Suécia: lá existem seitas satânicas, homicídios ritualísticos, espancamento de velhinhos, gangues neonazistas, psicopatas sádicos, tráfico de órgãos e brutalidade sexual. Numa mesma semana.

(Na dúvida, é só consultar a trilogia “Millenium”, do conterrâneo Stieg Larsson. Dizem que os suecos têm tantos subsídios e assistência estatal que, quando perdem as chaves do carro, desistem de viver.)

Wallander é obstinado, mas revela uma certa demora para desvendar os mistérios, ao contrário da maioria dos detetives ficcionais. É um inspetor existencialista com dúvidas sobre a profissão, que vive decepcionando a filha e que, como o inspetor Morse, adora ouvir ópera.

É difícil gostar dele, e aí é que está o atrativo de “Wallander” – isso e a desgovernada criminalidade sueca. “Ótimo. Só fica melhor e melhor”, exclama o policial, diante de um cadáver enforcado numa igreja.

Wallander, dizem, nunca sorriu.

 

23 de janeiro de 2011

No próximo bloco, insânia
por Vanessa Barbara

Quando a TV paga chegou ao Brasil, espalhou-se o idílico boato de que seus canais não teriam intervalos comerciais – afinal, a mensalidade dos assinantes serviria para sustentar as emissoras.

Era tudo brincadeirinha. Em 2010, uma pesquisa da Associação de Consumidores Proteste mostrou que a grade da TV paga contém 15% de comerciais, na média. Em canais como a Fox, a conta é de 23%.

E o pior: se na TV aberta ainda é possível se divertir com anúncios de purgante ou de pomadas para micose em que modelos discutem casualmente suas frieiras, na TV paga a coisa não tem tanta graça. Ali, os comerciais falam da própria programação e se repetem num looping maquiavélico.

Um dos campeões no quesito, a Warner Channel reserva-se o requinte de interromper os episódios de séries na última cena e amarrar o espectador só para exibir os créditos e a piada final. O canal também costuma manter o áudio dos programas baixíssimo e aumentar o volume em 40% nos comerciais, para que os tímpanos da vítima sejam devidamente massacrados pela veemência publicitária.

A atração “Warner Movies” já virou uma lenda. O filme começa bem, mas vai sendo interrompido progressivamente conforme o final se anuncia.

Um longa de 110 minutos de duração leva 3 horas para passar, totalizando 70 minutos de comerciais – sempre os mesmos. A conta pode chegar a 63% do total da atração, gerando boatos de que, em 2011, os canais terão novos comerciais com menos intervalos de programas.

Houve uma épica madrugada de 2003 em que a MGM levou quatro horas para exibir o especial “AFI: 100 anos... 100 filmes”, de 145 minutos de duração. A cada dez títulos citados, amargava-se uma pausa em que os mesmos comerciais se sucediam, talvez procurando levar os espectadores à absoluta e irreversível demência. Conforme os vencedores se aproximavam, a pausa era de três em três.

O documentário acabou pela manhã. Os sobreviventes até hoje se gabam, feito veteranos da campanha na Itália.

A repetição de propagandas em canais como Sony, TNT, Warner, Fox, AXN e Universal ainda será questão de saúde pública. Daí a grandeza das séries em DVD, do gravador digital, da tecla “mudo” e de um providencial cochilo.

 

16 de janeiro de 2011

Não complicarás
por Vanessa Barbara

Nos últimos dez anos, o “Jornal Nacional” (Globo, 20h30) perdeu 24% de sua audiência. A velha fórmula, que em 1993 chegou a render 80 pontos no Ibope (com o primeiro depoimento de PC Farias após sua fuga), parece enfim ter se desgastado.

De todos os telejornais brasileiros, o “JN” é o mais temente aos mandamentos do gênero. Para começar, a notícia é sempre curta, objetiva e simples, mas não pode ser excessivamente fria e impessoal, sob pena de distanciar o público. Ao apresentador cabe humanizá-la com sorrisos, mudanças de tom e olhares compungidos.

Em segundo lugar, utilizam-se apenas frases incisivas e curtas no tempo presente, a fim de afetar urgência.

No sábado passado, o jornal começou com o anúncio: “Tiros à queima-roupa”. No mesmo tom de quem está em pleno front, o outro apresentador completou, em jogral: “Dezoito pessoas são baleadas por um jovem nos EUA”. Por pouco, os dois não se abaixaram para se proteger.

O texto falado deve dirigir-se a um hipotético telespectador médio –– para Bonner, uma espécie de Homer Simpson que tem dificuldade em compreender notícias mais complexas. Num episódio que causou polêmica, em 2005, o editor-chefe do “JN” chegou a rejeitar uma pauta dizendo: “Essa o Homer não vai entender”.

Outro preceito do telejornalismo padrão é personificar as notícias, remetendo-as a personagens pitorescos ou à opinião de populares. As declarações espirituosas dos anônimos servem para dar leveza ao texto e fazer rir o singelo Homer.

Assuntos como consumo popular, curiosidades tecnológicas, futebol e o florescimento de dicotiledôneas servem para intercalar cenas de desastres ou de crimes hediondos.

É inevitável: o apresentador conclui um dossiê sobre o colapso do sistema de saúde de Rondônia, como na segunda-feira passada, toma novo fôlego e diz: “No zoológico de Brasília, uma fêmea de lobo-guará conseguiu sobreviver a um atropelamento e voltar à natureza”. Sorri.

Uma anedota corrente no mundo dos telejornais diz que, se o Velho Testamento fosse televisionado, a apresentadora o anunciaria desta forma: “Moisés acaba de receber a tábua com uma série de mandamentos”. Entra infográfico explicativo: “Dentre eles, podemos destacar dois...”.

 

9 de janeiro de 2011

Napoleão do crime
por Vanessa Barbara

Fica difícil condenar a pirataria quando uma série como “Sherlock” (2010), da BBC inglesa, não tem a menor previsão de ser exibida no Brasil.

A primeira temporada contou com apenas três capítulos de 90 minutos cada, chegando ao fim em agosto de 2010. Trata-se de um folhetim de ação e suspense que transporta o detetive Sherlock Holmes (interpretado por Benedict Cumberbatch) para os tempos contemporâneos. 

Na minissérie, Holmes é fã de tecnologia, não desgruda do celular e gosta de provocar o inspetor Lestrade tumultuando coletivas de imprensa com torpedos SMS. Seu lendário parceiro, o dr. Watson (Martin Freeman, de “O Guia do Mochileiro das Galáxias), registra os casos num blog.

Holmes passa o tempo todo agindo feito um maestro louco, insultando os policiais e rebatendo as acusações de que seria um psicopata (“Sou um sociopata funcional”, diz).

Em vez de cachimbos, ele é usuário ostensivo de adesivos de nicotina: “Este é um problema de três adesivos!”, exclama no episódio-piloto, “Um estudo em rosa”, que trata de suicídios seriais.

O visual da série acompanha o ritmo multitarefa do herói: numa cena de crime, letreiros se sobrepõem na tela para destrinchar as evidências encontradas, enquanto Holmes pesquisa simultaneamente em seu smartphone dados meteorológicos, rotas de trem, informações avulsas e recados pessoais.

Embora saiba rastrear endereços de email e tenha alma de hacker, o Holmes da BBC não é tão diferente do original. A um suspeito, diz: “Além dos indícios óbvios de que você é solteiro, maçom e asmático, não sei nada a seu respeito”. Ao médico legista, pede que não enuncie seus pensamentos em voz alta, pois está diminuindo o QI de toda a rua.

Ele também observa que deve ser “muito relaxante não ser eu” e aproveita cada novo assassinato, alegando que não dá para ficar em casa quando algo divertido assim acontece.

No final da temporada, Holmes sai ao encalço de seu arqui-inimigo prof. Moriarty, o “Napoleão do crime, organizador de tudo o que há de mal nesta cidade”. Houve polêmica quanto ao desfecho da série, que atraiu 7,3 milhões de espectadores na Inglaterra, mas a segunda temporada já foi confirmada para o fim deste ano.

 

2 de janeiro de 2011

Bada-Bing, Bada-Beakman
por Vanessa Barbara

“Tranquem as portas! Fechem as janelas! O seu cientista particular está aqui para responder as suas perguntas. Eu sou Beakman, e você acaba de entrar no...”

Com essas palavras, será retomada amanhã a exibição de “O Mundo de Beakman”, na TV Cultura (seg.-sex. às 19h15).

Nesse clássico dos anos 90, um cientista de jaleco verde e cabelo espetado responde perguntas de telespectadores fictícios, que servem de gancho para experiências bizarras e explicações de leis da física.

“Pergunta: por que os frangos ficam engraçados quando piscam? Resposta: porque fecham os olhos de baixo pra cima.”

O episódio-piloto parte da questão: “Se a Terra é redonda, por que as pessoas que estão do lado de baixo não caem?”. Com a ajuda de uma melancia, um boneco de testes, sua assistente Rose e um ator fantasiado de rato (Lester), Beakman fala de gravidade e inércia.

Do Polo Sul, dois pinguins diante da TV interrompem vez ou outra para comentar. “O que a gente acha que acha?”, pergunta Dan. “A gente acha que adorou”, retruca Léo.

No programa seguinte, Beakman chafurda num túnel de muco para responder a pergunta: “O que é ranho?”. Diante da objeção dos companheiros, diz: “É para isso que a gente está aqui”. E Lester: “A gente está aqui para ranho?”.

Após desfiar uma série de sinônimos de catota (meleca, ostra, geleia de nariz, comida de dedo), ele explica para que serve essa substância viscosa. Comentário dos pinguins: “Faz pensar na expressão ‘mau gosto’”. E o outro: “É nojento. Tô adorando.”

Um dado curioso é que Lester nunca é identificado como um rato, mas como um cara fantasiado de rato, ou um ator dramático com um péssimo agente. O ator, Mark Ritts, estudou literatura inglesa em Harvard e morreu em 2009 de câncer nos rins.

Já Paul Zaloom (Beakman) continua na ativa como titereiro, ventríloquo, ator e militante gay. Nos EUA, comanda o espetáculo “Beakman ao Vivo”, em que faz um rolo de papel higiênico levitar e fala de movimentos peristálticos.

Ao todo, são 91 episódios cheios de efeitos sonoros e explosões – o último é sobre flatulência –, todos apresentados pelo mestre das respostas, o guru da massa cinzenta, o emir do enigmático, o único, o incomparável...

 

26 de dezembro de 2010

Legal essa parada rude
por Vanessa Barbara

Na última terça-feira, 21 de dezembro, a Record exibiu a final do reality show “A Fazenda”. Após três meses de confinamento num sítio, o modelo Daniel Bueno, de 33 anos, ganhou o prêmio de 2 milhões de reais.

É quase o mesmo valor que recebeu o embriologista britânico Robert G. Edwards, de 85 anos, vencedor do Prêmio Nobel na categoria Medicina ou Fisiologia. Ele faturou 10 milhões de coroas suecas (2,5 milhões de reais) por duas décadas de pesquisa que tornou possível a fertilização in vitro.

A carreira de Daniel Bueno começou na seleção gaúcha de caratê, na qual foi faixa preta. Aos 22 anos, foi contratado por uma agência de modelos e trabalhou para grifes como Calvin Klein e Giorgio Armani. É mais conhecido, porém, por ter namorado a atriz Luana Piovani.

Já Edwards começou seus estudos nos anos 50. Seu esforço possibilitou o nascimento de 4 milhões de pessoas e representou uma revolução no tratamento da infertilidade. Para a comissão do Nobel, o britânico conseguiu vencer “desafios monumentais” no campo da ciência. Mesmo com a dificuldade de obter patrocínio, Edwards conseguiu elucidar grandes incógnitas da biologia, como o momento certo para a extração do óvulo e sua fertilização e fecundação.

Bueno, por sua vez, demonstrou comprometimento com os afazeres rurais, sobretudo no cuidado com os equinos. Durante os 86 dias de programa, destacou-se pela diligência e por tomar para si a ordenha da vaca Estrela, proferindo frases como: “Dona Estrelinha! Como é bom ver a senhora!”.

Logo de início, ele admitiu: “Pra ser sincero, eu não me acho um cara talentoso. Mas sou muito esforçado.” Um de seus maiores momentos foi quando teve de tomar um banho gelado e exclamou: “Legal essa parada rude”.

Mas o melhor diálogo do reality não foi obra dele e de nenhum dos outros finalistas (o ator Sergio Abreu e a assistente de palco Lisi Benitez, a “Piu-Piu”). Foi Luiza Gottschalk que perguntou ao cabeleireiro Carlos Carrasco: “Milho é verdura?”. Ao que ele respondeu: “Não. É um amido”.

Este mês, Daniel Bueno mostrou os peitorais na tevê e comemorou a vitória com Sérgio Mallandro. Robert Edwards não pôde comparecer à cerimônia do Nobel por problemas de saúde.

 

19 de dezembro de 2010

O que Bo quer, Bo ganha
por Vanessa Barbara

A julgar pela audiência desta casa, composta por uma parcela equivalente de humanos e quelônios, o melhor programa deste ano não foi “CQC” (Band), “O Aprendiz” (Record) ou “Superpop” (RedeTV!). Também não foi a nova série de Martin Scorcese (“O Império do Contrabando”, HBO), nem a reprise de “A Próxima Vítima” (Viva).

O melhor da TV em 2010 foi “Obsessão por Animais”, do Animal Planet, uma série de quatro documentários veiculada em novembro.

O primeiro episódio falou de exageros, como um sujeito que divide a casa com 70 corujas. Depois vieram os bichos exóticos: um rapaz que toma banho com seu tigre-de-bengala, uma moça que mantém uma girafa de 3,6 m de altura no jardim (e oito zebras), e um senhor que possui oito jacarés em sua residência. “Ele vem quando quer”, declara, apontando para o réptil de 70 kg paralisado no chão da sala. “Eles passeiam casualmente, cuidando de suas vidas.”

No especial sobre animais obesos, a protagonista foi Bo, uma Rotweiller gorda de 92 kg que parece um leão-marinho. Ela anda como se estivesse gingando, come 7 kg de carne fresca e dorme a hora que dá na telha.

“Ela é obesa”, diz a veterinária. “Ela é linda”, responde a dona, rechaçando as insinuações de que sua cadela seria uma porca leiteira. “Eu não a trouxe aqui para ser insultada”, dispara. “O que Bo quer, Bo ganha.”

Outras revelações foram Archie, o gato de 10 kg que precisava se exercitar, mas olhava cinicamente as bolinhas de borracha que lhe atiravam, e Max, um cão que comia linguiça e sanduíche de bacon.

Mas nada superou “Cirurgia Plástica Animal”. Diante das câmeras, um mastim napolitano corrigiu a flacidez das pálpebras. Na sequência, um lagarto de 15 cm tomou anestesia geral para retirar um cisto que lhe prejudicava a carreira de modelo. Um peixinho japonês com uma protuberância suspeita se submeteu a uma abdominoplastia cosmética, enquanto a enfermeira esguichava água em suas guelras.

Por fim, um pato que teve o bico destroçado por um guaxinim passou por um procedimento de reconstrução. Donald, o pato de 3 dólares, ganhou um bico horrendo, mas funcional, feito de cimento ósseo cor de laranja. “Nunca pensei que amaria tanto um pato”, disse a dona.

 

12 de dezembro de 2010

Miolos! Miolos!
por Vanessa Barbara

Com muita flechada no olho e crânios trucidados por picaretas, terminou esta semana a primeira temporada da série americana “The Walking Dead” (Fox, ter. às 22h). O roteiro é baseado nos quadrinhos de Robert Kirkman e versa sobre o apocalipse zumbi.

Havia grande expectativa em torno da atração, já que os seis primeiros episódios foram adaptados para a TV pelo cineasta Frank Darabont (“Um sonho de liberdade”), que também dirigiu o piloto de 90 minutos de duração.

Além disso, no Brasil, a Fox se comprometeu a exibir os episódios inéditos com apenas dois dias de atraso, mas, talvez para compensar o excesso de zelo e respeito ao espectador, resolveu cortar 12 minutos do original.

A história fala de um grupo de pessoas que sobreviveu ao holocausto zumbi, quando o mundo foi infestado por esses seres putrefatos e sedentos de carne humana. Ao longo da trama, os protagonistas lidam com seus dramas pessoais e tentam resistir aos ataques dessa gente desagradável sem tronco ou nariz.

A série tem uma fotografia digna de cinema, massacres divertidos e cenas impressionantes: de cara, um policial de chapéu entra na cidade a cavalo, de forma quase apoteótica, não fosse pela horda de presuntos prestes a emboscá-lo.

Aqui e ali, há grandes achados, como o entregador de pizzas que é também um estrategista nato, a inesperada intervenção de uma avó e, por fim, o asilo que vira bunker da resistência.

Alguns diálogos e caracterizações fracas atrapalham, bem como as semelhanças com a série “Lost”. Exemplos: as cenas de sobrevivência na selva, a trilha sonora pontuando expedições desesperadas e os vídeos caseiros de um homem misterioso dentro de uma instalação programada para explodir.

Em “The Walking Dead”, que até agora é mediana, falta uma coisa: amor zumbi.

Falta promover uma temporada só de mortos-vivos, centrada nos dilemas éticos da horda, no cotidiano do Zumbi do Posto de Gasolina, nas trapalhadas da menina sem tronco. Falta investir em números musicais com dançarinos defuntos ou em dramas de tribunal envolvendo vilões necrófilos.

Um “CSI” de zumbis, um “Gilmore Girls” com gente finada e um programa de culinária só para amantes de miolos. A conferir.

 

5 de dezembro de 2010

Marechal Rondon é o cara
por Vanessa Barbara

Nesta quinta-feira, dia 9, vai ao ar o último episódio de “15 Minutos”, principal atração de humor da MTV (seg. a qui. às 21h45). Segundo a emissora, o apresentador Marcelo Adnet irá comandar um novo programa em 2011.

Há dois anos e meio, o jovem comediante vem interpretando a si mesmo num estúdio que reproduz seu quarto em Humaitá, no Rio de Janeiro. De bermuda, camiseta e chinelo, lê e-mails dos fãs, divaga sobre assuntos do noticiário, faz paródias de celebridades e imitações retumbantes de José Wilker. 

É o único humorístico da TV aberta que tem audiência aqui em casa, talvez porque Adnet não tente ser engraçado de forma explícita. Ele usa um tom quase formal para tratar dos assuntos mais tolos, simulando a empáfia das personalidades televisivas.

Pode começar, por exemplo, mandando um “alô para o cachorro-quente com ervilha, ovo de codorna, molho rosé e queijo ralado, e também para o Ary Barroso”. Em seguida, parte para sua especialidade: imitar Cid Moreira, Pedro Bial ou Dinho Ouro Preto, através de sátiras musicais.

Outro dia, parodiou Elis Regina cantando o hino do Corinthians no chuveiro, Caetano Veloso solfejando “They don’t care about us”, e “Cai Cai Balão” no estilo dos concorrentes de “Ídolos” (Record).

O programa já teve “Sweet Child O’ Mine”, do Guns N’ Roses, na voz de Silvio Santos, e “Garganta”, num dueto de Ana Carolina e Dercy Gonçalves. Entre as composições próprias, destacam-se o “Funk do Mosquito”, a “Micareta Metal” e a “Bossa Nova do Cocô”.

Adnet consegue se transformar em tudo: faz um bispo evangélico à perfeição, tem recorrentes “surtos de Ivete Sangalo” e compôs uma canção de sátira às boybands: “Furfles Feelings”.

Nas estantes, há um boneco do Gorbachev, um exemplar do Alcorão, uma chinchila, uma flâmula da Taça Rio e um cartaz com a inscrição “Marechal Rondon é o cara”. Aléá placas com os dizeres "ÓOAUÊAíÔ", “Não cumprimente o pinguim” e “Não cuspa”.

Espera-se que o novo programa de Adnet seja tão incoerente e desnecessário quanto “15 Minutos”. Com sorte, ele irá abrir a atração com um de seus instigantes versos:  “Em homenagem ao meu mamilo/ eu vou de repente, do nada, mudar de estilo”.

 

28 de novembro de 2010

A grama do vizinho
por Vanessa Barbara

Aqui em casa nós temos quatro: o primeiro é o controle remoto do DVD, com 31 botões e duas pilhas AAA. Depois tem o controle do Blu-Ray, com 52 botões de quatro cores diferentes. Então vem o da televisão, com 44 botões, e o dos canais a cabo, com 45 e um redondo chamado “agora”.

A tevê fica a apenas 1,78m de distância do sofá e, ainda assim, quando um dos controles é perdido entre as almofadas, a única reação possível é desistir de tudo e ir dormir mais cedo.

O controle remoto extinguiu os botões giratórios na frente do aparelho, bem como os gritos para alguém na cozinha ir até a sala mudar de canal. Aniquilou os cabos de vassoura, que serviam para aumentar e diminuir o volume à distância, e eliminou a audiência por inércia: ninguém mais permanece num canal por preguiça de se levantar.

Acima de tudo, o controle remoto trouxe ao bojo da modernidade a incerteza, aquela incômoda sensação de haver algo, em algum lugar, mais interessante do que o que estamos assistindo.

Diante de uma oferta de 96 canais, é difícil contentar-se com “Super Petroleiros” (NatGeo), quando em outra emissora pode haver “Le Haim” (TV Aberta), “Eu Não Sabia que Estava Grávida” (Home & Health) ou “Walking Dead” (Fox).

O controle remoto popularizou o verbo zapear e o costume de dar a volta na programação. Às vezes, o sujeito é impaciente e vai atropelando tudo, até que vislumbra algo de seu interesse. O problema é que, em geral, a cena já foi engolida por uns vinte canais, e o mais fácil é dar a volta de novo.

A única pessoa que escapa a esse hábito tele-hiperativo é a minha mãe, que gosta de “dar uma chance” para todo e qualquer curta-metragem indonésio em que um sujeito demora 15 minutos para atravessar o deserto, enquanto entoa um mantra.

E nem é preciso estar assistindo algo mediano para ter vontade de espiar o que está passando alhures: é comum perdermos uma boa reprise de “Seinfeld” (Sony) só por causa de uma coceirinha que nos faz dar toda a volta, passando por “Bonanza” (TCM) e “Roda a Roda Jequiti” (SBT), aterrissando, exaustos, no indefectível “Medalhão Persa”, um porto seguro para onde retornamos após longa e extenuante jornada.

 

21 de novembro de 2010

O segredo de Gerson
por Vanessa Barbara

No próximo dia 29, segunda-feira, será revelado o segredo de Gerson, da novela “Passione” (Globo, 20h55). O personagem, vivido por Marcello Antony, tem uma obsessão patológica por algo que vê no computador, e que talvez esteja ligado a um abuso sexual sofrido na infância.

Desde meados de agosto, quando foi ao ar a cena em que a esposa de Gerson descobre o que há na tela, e o chama de “doente”, “podre” e “nojento”, pululam na internet várias especulações sobre o teor do mistério. Algumas alternativas já foram descartadas pelo autor da novela, Silvio de Abreu: Gerson não seria pedófilo e nem homossexual.

Além disso, a Globo teve de prometer à Goodyear, patrocinadora do personagem, que o enigma não seria nada escabroso. Segundo o diretor de marketing da firma, o que Gerson faz no computador “não é ilegal, é tratável e é algo do cotidiano”.

Portanto, podem esquecer as mirabolantes hipóteses de necrofilia, zoofilia e canibalismo, já que o relacionamento com cadáveres e coelhinhos não seria nada positivo para a imagem da empresa. Também coprofilia (fezes) é pouco provável, bem como formicofilia (relativo a pequenos animais, tais como caracóis, rãs e saúvas) e autonepiofilia (prazer em usar fraldas).

O acordo comercial que garante a caretice do mistério tirou um pouco da graça das especulações, que hoje se concentram em apostas mais modestas, como fetichismo por dedões do pé, voyeurismo via webcam e sadismo.

Outra explicação cogitada é a de que Gerson seria hacker – essa, além de tola, foi descartada assim que a esposa declarou que tinha “nojo” dele. A não ser que ele seja um enrustido usuário de Windows. “Não tem explicação! Você é podre!”, gritaria Diana, adepta da família Mac.

Fico imaginando a negociação entre os roteiristas e o patrocinador: fraldão pode? E envolver um punhado de besouros? Ter relações com alienígenas? Gostar de gente com soluço? Botar um trapézio no teto? Que tal se o Gerson fosse mulher, uma coruja ou o avô de si mesmo?

Nunca se sabe o que os anunciantes podem achar de um personagem que se revela, para nojo da esposa recatada, uma grande e gorda coruja. Pega mal em termos de RP.

 

14 de novembro de 2010

Ioga para homicidas
por Vanessa Barbara

Talvez seja culpa da velhice, mas acho surpreendente, quase inexplicável, a existência de um seriado como “Dexter” (FX, qui. às 22h), que atinge picos de audiência de 2,6 milhões de espectadores nos EUA.

Para quem nunca viu, a série fala de um analista forense da polícia de Miami, especialista em padrões de dispersão de sangue, mas que também acumula o ofício de serial killer nas horas vagas.

Sim, é um mocinho sociopata que esfaqueia, asfixia e retalha o próximo, embrulha seu cadáver e o despeja no mar, a bordo de um iate chamado “Fatia da Vida”.

É verdade que em sua lista de vítimas figuram apenas homicidas impunes, e que só raramente ele mata alguém por engano. “Eu sou um monstro limpinho”, afirma, referindo-se aos rolos de plástico com que costuma forrar a cena do crime.

“Vivi na escuridão por um bom tempo. Então meus olhos foram se ajustando até que a escuridão tornou-se o meu mundo e eu pude enxergar”, filosofa.

Durante a segunda temporada da série, que já está em seu quinto ano, o canal australiano Foxtel precisou tirar do ar um comercial que foi considerado de mau gosto. Além disso, meia dúzia de psicopatas em atividade confessaram sua admiração pelo personagem, o que estranhamente ainda não gerou nenhuma passeata de senhoras escandalizadas com a atração.

O que é ótimo, pois enquanto isso podemos assistir cenas de Dexter na aula de ioga: “Este é absolutamente, sem dúvida nenhuma, o pior momento da minha vida”. Então a professora começa a dançar e pede que Dexter seja tão belo quanto os flocos dourados de poeira diante da luz do sol. “Eu provavelmente poderia matá-la antes que alguém percebesse o que houve”, pensa.

Dexter é um justiceiro engraçado, do tipo que hesita em matar um psiquiatra homicida só porque precisa de mais uma sessão de terapia. Sua narração em off tem humor negro, tiradas tétricas e trocadilhos bobos. “Mais um belo dia em Miami – cadáveres mutilados e chances de tormenta no fim da tarde.”

Em certa ocasião, a esposa pergunta como ele pode ficar impassível diante do sofrimento do filho tomando uma injeção, ao que Dexter retruca mentalmente: “Serial killer, lembra?”.

Como se não bastasse, o fim da quarta temporada é de matar.

 

 

7 de novembro de 2010

Ratinho tem um problema
por Vanessa Barbara

Às voltas com a queda dos índices de audiência e os boatos de cancelamento em 2011, o “Programa do Ratinho” (SBT, seg.-sex. às 18h) tem feito de tudo para se recuperar. A atração de auditório, comandada por Carlos Massa, é focada na exploração e resolução de disputas domésticas, em que maridos ofendem ex-mulheres, esposas agridem amantes e há escândalos em profusão.

Ratinho já tentou de tudo: mudou o cenário, a direção, o formato e até tentou convocar Palmirinha Onofre para seus quadros. Nada parece surtir efeito.

Desta feita, aqui vai uma sugestão infalível para revitalizar a atração.

O fato é que, a todo momento, o apresentador promete resolver os problemas do público, sejam eles quais forem. Em geral, são mães tentando comprovar a paternidade dos filhos, que não raro também se envolvem na cizânia, e não raro partem para a agressão física. No estúdio, há seguranças a postos para apartar os mais belicosos.

A sugestão, portanto, seria diversificar a natureza desses problemas, incluindo questões metafísicas e dúvidas de cunho ético. Um exemplo: o sujeito chega ao Programa do Ratinho com um problema. Solícita, a produção se dispõe a ouvi-lo, mas não garante a solução imediata do imbróglio.

Ele dispara: “Se um trem sai da cidade A em direção a B com uma velocidade média estimada de 50 km/h, em movimento retilíneo, e um trem sai da cidade B em direção a A a 30 km/h, sendo que estas cidades se encontram a uma distância de 100 km, quando os trens irão colidir?”.

Dá para imaginar Ratinho consultando o ponto, a moça da produção sacando a calculadora e os peritos pedindo mais detalhes (“Condições normais de temperatura e pressão, você disse?”).

Seria proveitoso convidar populares angustiados e filósofos niilistas que tenham coragem de subir ao palco e perguntar coisas como: “Pode Deus criar uma pedra que não consiga levantar?”, ou: “Em um gás ideal, a entropia é uma variável extensiva?”.

Sempre haverá aquele que, tomando com fúria o microfone, exporá um problema fatal: “Um burro bom e barato é raro. Tudo que é raro é caro. Um burro bom e barato é caro. Um burro bom...”

E assim por diante, até que os seguranças venham contê-lo com um livro de palavras cruzadas.

 

 

31 de outubro de 2010

TV Chimpanzé
por Vanessa Barbara

No último dia 18, às 23h, o canal Animal Planet exibiu com exclusividade o primeiro filme rodado por chimpanzés (“TV Chimpanzé”).

A estreia dos bonobos na indústria cinematográfica foi patrocinada pela BBC e viabilizada pela cientista comportamental Betsy Herrelko, que, na tentativa de descobrir o que se passa na mente dos chimpanzés, decidiu fornecer-lhes o material e o embasamento tecnológico para produzirem seus próprios vídeos caseiros.

Betsy escolheu 11 chimpanzés residentes no zoológico de Edimburgo, no Reino Unido. Passou 18 meses ensinando-os a mexer em telas touchscreen e a assistir televisão sem esperar recompensa –– tarefa difícil, pois os macacos não só possuem maior inteligência do que nós, que aceitamos qualquer porcaria, como preferem interagir com a tela e dar socos raivosos em franca manifestação de desagrado à programação.

Ainda assim, os primatas abraçaram a carreira de cineastas. Sem terem recebido noções prévias de foco, enquadramento, contra-plongée, iluminação e roteiro, os membros da equipe ganharam uma caixa vermelha resistente (à prova de chimpanzés) com uma câmera digital dentro. No topo da caixa havia uma tela para que eles pudessem acompanhar o que estava sendo filmado.

O resultado foi um curta experimental claramente influenciado pelo Dogma 95, em que predominam os closes de narinas, a exibição de gengivas, os gritos simiescos e alguns travellings arriscados. Nenhum ser humano foi maltratado durante as filmagens.

Assistir à promissora TV Chimpanzé foi como acompanhar o trabalho da genial tartaruga cineasta do Caribe, que estreou na direção quando um mergulhador perdeu sua câmera subaquática em Aruba, em novembro de 2009. Dois meses depois, a tartaruga marinha encontrou o objeto em Honduras, tentou comê-lo e acidentalmente apertou o botão de gravar.

Ela nadou enroscada ao aparelho e produziu um belíssimo curta oceânico, em que suas próprias nadadeiras são vistas de relance, junto a cardumes de peixes, raios de sol e uma cor de água absurdamente azul. (YouTube: “Sea turtle finds lost camera”.) Nos minutos finais, ela enjoa da atividade, larga a câmera e sai boiando em sua majestosa queloneidade, decerto rumo a Hollywood.

 

24 de outubro de 2010

Cinco horas com Raul Gil
por Vanessa Barbara

Conta-se que o iogue Swami Maujgiri Maharaj passou 17 anos em pé, entre 1955 e 1973, escorando-se numa tábua apenas para dormir. Mais ou menos nessa época, o faquir Mastram Bapu plantou-se num lugar, sentado, à beira de uma estrada no vilarejo de Chitra (Índia), por mais de duas décadas.

Em busca de iluminação existencial e de uma compreensão superior do mundo, propus-me a assistir, na íntegra, o Programa Raul Gil deste sábado (SBT, sáb., 14h15 às 19h15).

O programa, com a duração de cinco horas, foi inteiramente dedicado às crianças. Tanto os calouros quanto os jurados eram café-com-leite: segundo apuração interna, a média de idade era de 8,3 anos.

Bloco após bloco, hora após hora, o espectador acompanhou a performance de crianças excessivamente artísticas, daquelas que dizem “eu sou criança”, que sorriem para as câmeras e estão sempre na moda. Entre elas, a assistente de palco Yasmin, que faz sucesso ao repetir errado as falas de Raul Gil – levando o apresentador a usar palavras difíceis de propósito.

A única exceção era Guilherme, um moleque tranquilo que tocava cavaquinho e teve que responder para Yasmin que não, não era casado. Ele não dançou, não fez micagens e não tentou ser espirituoso, limitando-se a tocar seu instrumento. Deu de ombros quando uma das juradas elogiou seu figurino. “A apresentação dele foi ex-ce-len-te”, ressaltou a loirinha de 7 anos, qualificando-o de impecável.

Sua presença, porém, foi logo substituída pela de um papagaio gigante, um cachorro azul, centenas de balões e um minicover do Elvis. Uma cantora gospel entrou para gritar os versos: “Como Zaqueu, quero subir o mais alto que eu puder”. A certa altura, dezenas de artistas felizes ocupavam o palco, pulando, cantando e sacudindo os braços, como se não houvesse tristeza no mundo.

De sua parte, Raul Gil parecia cansado e impaciente, repetindo as mesmas palavras para os calouros-mirins: “potencial”, “sucesso” e “talento” foram as mais usadas, e a expressão “todos são vencedores” apareceu umas boas dez vezes.

“Depois de passarem oito meses conosco [na competição], o máximo que a gente pode fazer por vocês é prestar essa homenagem”, ele diz, num ato falho. O calouro agradece.

 

17 de outubro de 2010

No meu tempo
por Vanessa Barbara

No meu tempo, a televisão era diferente. Para começar, havia a supremacia do dublado – todos os filmes, séries e programas estrangeiros recebiam uma buliçosa versão em sotaque carioca, provavelmente feita pelo mesmo sujeito, que ganhava uma miséria e imitava as vozes de todo o elenco: dos velhos, das moças, das crianças e dos galos.

No meu tempo, havia televisões em preto e branco de cinco polegadas com rádio AM/FM, que só sintonizavam à base de petelecos e mandinga brava. Havia a frequência UHF e um cheiro permanente de queimado saindo de trás do televisor.

Nos idos d’antanho, as antenas eram Plasmatic, tinham a forma triangular e um bombril na ponta. A gente costumava revezar o membro da família encarregado de ficar de pé, ao lado do aparelho, segurando a antena num ângulo específico – o braço esquerdo levemente arqueado, os joelhos dobrados, o pescoço pra trás. Era como nós praticávamos a ioga, naquela época.

As partidas de futebol eram mais proveitosas: todos os jogadores tinham a coloração esverdeada, e cada atleta recebia a marcação cerrada de um habilidoso irmão gêmeo. Nunca dava pra ver a bola e, aparentemente, os 22 elementos em campo usavam a mesma cor de uniforme, rolando a pelota fraternalmente para o mesmo time. Era bonito o futebol no meu tempo.

À tarde, a gente assistia o game-show “SuperMarket” (Band), uma despropositada gincana dentro de um supermercado. Acertávamos a resposta das charadas que o Ricardo Corte Real fazia sobre produtos lácteos, extrato de tomate e desinfetante. Sabíamos de cor em que corredor ficava o pepino em conserva e a maionese gigante. Era durante o “SuperMarket” que a luz de casa começava a falhar, anunciando a hora de ir tomar banho (antes que os vizinhos sugassem toda a energia local).

A televisão de outrora valorizava a rapidez de raciocínio (imagens oscilantes), a incerteza filosófica (o que foi que ele disse?) e a imaginação do espectador, pois nunca dava pra distinguir com clareza o que estava acontecendo (“Olha, mãe, eu acho que tem um Ovni ali atrás do Cid Moreira”).

Com o advento da transmissão em alta resolução, tela de cristal líquido Full HD e som estéreo 5.1, ficou mais chato assistir televisão.

 

 

10 de outubro de 2010

O primo da irmã da vó do Parada
por Vanessa Barbara

“O meu pai gostava de contar causos. Ele me contô uma vez um causo do surdo, um surdo daqueles não totalmente surdo, daqueles meio surdo”, relata o ator, compositor e cantor Rolando Boldrin. “O tal do caboclo tava na roça tirando mandioca. E meu pai puxou assunto, né.”

Há cinco anos, Boldrin comanda o “Sr. Brasil” (Cultura, qui. às 22h), onde costuma fazer a mesma coisa que o pai fazia: sentar e tirar uns dedos de prosa.

É o programa preferido do meu avô, e uma das maiores audiências da TV no segmento da terceira idade. Trata-se de uma atração de palco – com plateia – focada em ritmos brasileiros como a música caipira, mas que também dá espaço a outras manifestações regionais (prosa, verso, dança e teatro).

Sempre bonachão, Boldrin emenda os números musicais com “causos” variados, como esse, do caboclo meio surdo. A história segue: o homem pergunta como vai a família, mas o matuto não escuta direito e diz que está colhendo mandioca. “E a mulher, como vai?”, indaga o outro. “Tá meio aguada, mas tô comendo mesmo assim...”, responde o caboclo. A plateia vai ao delírio.

Boldrin fala sem parar de um certo Dito Preto, ou Benedicto da Silva, que conheceu em sua cidade natal, São Joaquim da Barra (SP) – terra de outra grande figura das artes, o fotógrafo Renato Parada. “Ele é primo do marido da irmã da minha avó. É um cara totalmente especial, o centro das atenções onde quer que esteja. E o mais incrível de tudo: sem ser chato, sem forçar a barra”, conta. “No último jantar na casa do tio Mauro”, especifica, “ele cantou, declamou poesia, contou piada e passou trote por telefone na filha.”

No programa, Boldrin mistura histórias de Nhô Totico, Noel Rosa, Dominguinhos, João Macacão, Osvaldinho da Cuíca e da cearense dona Jandira, que tem a voz de uma diva negra do jazz. Canta chacoalhando uma caixa de fósforos. Recita poemas sobre gravatas coloridas. Em vez de dizer que alguém morreu, diz que “viajou fora do combinado”.

Entre uma cuíca e outra, uma viola e uma sanfona, não podemos deixar de notar que Boldrin é a cara do protagonista da série britânica “Inspetor Morse”. Só que mais simpático.

E haja comercial de cimentcola, farmácia, antena parabólica e remédio para osteoporose.

 

3 de outubro de 2010

O que aprendi com Bob Esponja
por Vanessa Barbara

No próximo dia 10/10/10, sábado, às 10h10, uma horda de bailarinos, coreógrafos e patinadores estará no Parque das Bicicletas, em Moema, para homenagear o super-herói Ben 10. O evento da Cartoon Network marcará a estreia da terceira temporada do desenho – em que um garoto ganha um relógio de pulso que se funde ao seu DNA e o permite transformar-se em dez mil espécies diferentes de alienígenas.

Sem nada deverem aos clássicos, os desenhos infantis da nova safra nos trazem inúmeras lições. O mais popular deles, “Bob Esponja Calça Quadrada” (Globo e Nickelodeon), já passou da sétima temporada e alcançou 7,7 milhões de espectadores num só episódio. O morador mais famoso da Fenda do Bikíni, amigo de Lula Molusco e residente num abacaxi laranja de dois quartos, ensina que não se deve tomar sundae de amendoim com cebola para não ficar com bafo.

Entre outras coisas.

Num viés mais educativo, a TV Cultura também faz sua contribuição para o público que ainda mastiga a própria mão: um dos programas mais premiados é “O Mundo Redondo de Olie”, sobre um robô-criança amarelo e roliço. Outros são “Cocoricó”, “Doug”, “Zoboomafoo” (um lêmure falante), “Shaun, o Carneiro” (animação muda) e “Pingu” (falada em pinguinês).

Porém, os maiores sucessos na faixa pré-penico são os musicais “Hi-5” e “Backyardigans”, veiculados pelo Discovery Kids, que ensinam cores, números e a fisiologia dos ominhocos.

Há desenhos infantis para todos os gostos: alguns, como “Clifford, o Gigante Cão Vermelho”, ensinam as crianças a serem amigas e responsáveis, mas nada dispõem sobre caninos mutantes de cor rubra. Outros, como “A Vaca e o Frango”, ensinam a andar de bunda no chão e comprar avós adicionais no mercado de parentes usados.

“Pocoyo” foi concebido para fins puramente pedagógicos, enquanto “Animaniacs”, nem tanto. (Wakko Warner costuma promover um finíssimo recital de música clássica nas axilas.) Se “Peixonauta” é ecologicamente correto, o velho “Tom e Jerry” preconiza a vingança e o hipertabagismo.

Enfim, alguma coisa sempre dá pra aprender com os desenhos. Nem que seja obedecer sem reservas à coreografia de um dinossauro púrpura de 2 metros de altura que tem culotes e dança.

 

26 de setembro de 2010

Comendador Ronnie Von
por Vanessa Barbara

Ronnie Von, 66, é uma figura peculiar. Até pouco tempo atrás, as novas gerações mal sabiam que “Von” se dizia “Fon” e que ele era mais do que um sujeito arrumadinho que abrilhantava as noites da salada promovidas pelas associações de bairro.

Ronaldo Lindenberg Von Schilgen Cintra Nogueira foi ídolo da juventude nos anos 60. Descoberto por Agnaldo Rayol, tinha um cabelo chanel de príncipe, os olhos verdes, cantava iê-iê-iê romântico e fora cadete da aeronáutica.

Mais tarde virou psicodélico e compôs o clássico “De Como Meu Herói Flash Gordon Irá Levar-me de Volta a Alfa do Centauro, Meu Verdadeiro Lar”. Foi caindo no esquecimento até 2005, quando começou a apresentar o “Todo Seu” (Gazeta, seg. a sex. às 23h).

Hoje é amplamente reconhecido por suas piscadelas marotas e por se referir à espectadora como “você, bonitinha que está assistindo”, nessa atração de variedades que mescla entrevistas, musicais e gastronomia.

O “Todo Seu” tem uma hora e meia de duração e é voltado para as mulheres, “mas com toque masculino”. Destaca-se pelas afáveis conversas sobre vinho, decoração, comportamento e, sobretudo, pela extrema polidez do anfitrião, que usa a palavra “bumbum”.

Uma de suas grandes virtudes no papel de comunicador é saber lidar bem com as dúvidas do espectador. “Isso significa que sou gay?”, perguntou um moço, angustiado. “Significa”, responde Ronnie Von, passando para a próxima questão.

O apresentador é daqueles que não se referem à velhice, mas diz que “está jovem há mais tempo”. Nas entrevistas, costuma declarar que o assédio hoje é maior do que nos tempos de galã.

Ele também usa a palavra “intróito” de forma corriqueira e diz que “este beijo é extensivo a todos”, quando se trata de cumprimentar uma trupe de dançarinos de flamenco. Em vez de declarar: “vamos encher o bandulho”, prefere afirmar que irá dar “um fim digno” a determinada iguaria. Não raro, um convidado recorrente é chamado de “useiro e vezeiro deste humilde programa de tevê”.

Além disso, Ronnie é apaixonado por botânica, apreciador de charutos, acha que o sapato é “fundamental para a feminilidade” e – o melhor – possui o título de Comendador em Biritiba Mirim.

 

19 de setembro de 2010

Colecionadores de entulho
por Vanessa Barbara

No dia 7 de setembro, o canal A&E estreou o primeiro reality show de horror da televisão: “Hoarders”, que em português ganhou um título mais genérico: “Obsessivos-compulsivos” (ter. às 22h).

Quem, a julgar pelo título, aguardou ansiosamente a exibição, afofou as almofadas três vezes e preparou-se para ver um programa sobre germofóbicos (ou metódicos, ou repetidores) deve ter sofrido um grande choque. As cenas eram apavorantes.

“Hoarders” ou “colecionistas” são os acumuladores compulsivos de tralhas, pessoas incapazes de se desfazer dos objetos mais inúteis. É gente que junta cadarços puídos, latas vazias, tábuas, jornais, disquetes e até anéis de latas de refrigerante.

Afinal de contas, “quem guarda tem”, dizia a minha tia Lucila. “Ratos”, eu completo. Os dois casos do primeiro episódio são de tragédias domésticas, como o casal que perde a custódia dos filhos por conta da insalubridade do lar e a esposa que fratura o braço e sofre um ataque cardíaco por culpa da tranqueira do marido.

Uma das justificativas mais usadas pelos entulhadores é o valor sentimental, mesmo que seja de uma folha em branco. Durante o programa, um sujeito levou quatro horas para examinar uma caixa em busca de coisas para descartar. Desistiu.

São discípulos modernos dos irmãos Langley e Homer Collyer, que, nos anos 40, acumularam 180 toneladas de lixo (ou 163 toneladas cúbicas) no sobrado onde moravam, no Harlem. Entre os objetos guardados “por precaução” estavam candelabros, carrinhos de bebê enferrujados, máquinas de raios X, pianos de cauda, automóveis, mofo e 3 décadas de todos os jornais de Nova York.

Homer era cego, mas Langley estocava os periódicos na esperança de que um dia pudesse lê-los. Além disso, Homer era paralítico e dependia do irmão para alimentá-lo.

O fim dos Collyer condiz com a sina dos entulhadores da série, embora em nível extremo: impossibilitados de andar pela casa, passaram a cavar túneis por entre o lixo e fazer andaimes sobre as pilhas. Um dia, Langley tropeçou e foi soterrado. Seu corpo foi encontrado a três metros do irmão, que morreu de fome, mas foram necessários 19 dias de trabalho para chegar até ele, retirando as 100 toneladas de lixo que os separavam.

 

12 de setembro de 2010

Tevê tormento
por Vanessa Barbara

Desde o início do ano, os resignados passageiros do 508-L (Aclimação – Term. Princesa Isabel) vêm acompanhando a vida de gente como Alcino, Domênico e Valvênio, insignes personagens de novelas da Globo.

Em São Paulo, já são 300 ônibus com televisões da Bus Mídia, que exibem uma programação em loop com resumos de novelas, notícias frias, propagandas e receitas, tudo fornecido pela emissora carioca.

Uma das táticas da empresa – que disputa o mercado com a BusTV e a TVO, além da TV Minuto, do metrô – é instalar monitores em pontos estratégicos dos coletivos, a fim de evitar a dispersão dos passageiros, que, cruz-credo!, podem querer olhar pela janela ou puxar assunto com o cobrador.

Além disso, a frota é composta só por veículos com piso baixo total, o que proporciona “um ganho de espaço significativo em relação aos demais ônibus, permitindo acomodar 15% a mais de passageiros. Isso significa mais pessoas expostas à sua mensagem”. Os tais coletivos são como trens de carga em que a maioria viaja de pé e as janelas ficam lá no alto, fora do alcance do pulmão médio do brasileiro. Assim fica mais difícil oxigenar o cérebro, presume-se.

Se considerarmos que a média de permanência por viagem é de 45 minutos e que “a audiência é garantida”, pois não há para onde fugir, temos um público compulsório de 255 mil pessoas por dia.

É gente que vai chegar em casa sabendo que “Jardel fica desesperado ao se deparar com Clotilde” (novela das seis), que “Help diz que vai revelar a identidade de Victor Valentim” (das sete) e que “Fred usa Candê para difamar Bete para Agostina” (das oito). Gente que sabe toda a biografia de Ariclenes, Sinval e Berilo, e que não se espantou quando Maureen contou a Deodora que Nelinha era sua irmã.

São passageiros atônitos, hipnotizados, presos no trânsito e prensados entre um senhor rotundo e uma moça que dorme em pé, numa situação em que só o que resta é assistir pela nona vez uma receita de brigadeiro trufado.

Se é lícito infligir a civis inocentes tamanho suplício, que ao menos o governo forneça um controle remoto por passageiro, a fim de que possamos trocar de canal, desligar a tevê ou acelerar a viagem.

 

5 de setembro de 2010

Já sei! As Cruzadas
por Vanessa Barbara

Entra em cena a atriz Giovanna Antonelli com uma malha preta. De olho no teleprompt, ela desata a falar sobre a realidade rural mexicana e a condição da mulher no início do século. Ou sobre a imigração argelina em países francófonos.

Está para começar o “Cine Conhecimento”, do canal Futura (seg-sáb 0h30, dom., 1h30), um programa deslocado no tempo e no espaço das grades de programação.

Primeiro, porque é veiculado de madrugada, naquele horário em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz. Segundo, porque a programação é imprevisível e comporta longas-metragens dos mais disparatados: entre os títulos já exibidos estão “Gosto de Cereja” (Kiarostami), “Fausto” (Svankmajer) e “George Washington Dormiu Aqui” (Keighley).

Há espaço tanto para as produções de Cingapura quanto para comédias colorizadas da década de 40, ou musicais em que Debbie Reynolds usa uma touca de natação, interpretando uma bola de futebol.

A grande graça do programa, porém, não são os filmes em si, mas os comentários proferidos pelas apresentadoras, que não se limitam a dar a sinopse, mas também detalham "as dimensões históricas, políticas e estéticas das obras e dos contextos que elas retratam”.

Na época em que foi lançado, em 1997, junto com a emissora, o “Cine Conhecimento” era mais didático e trazia curiosas interpretações marxistas acerca de filmes tolos. Hoje, infelizmente, os comentários são mais contidos.

Ainda assim, o texto pode ganhar ares surreais. Sobre “Fausto”, Leandra Leal afirma que “o mundo não se basta na razão e no conhecimento”. Sobre “Anel de Fogo”, Giovanna Antonelli destaca a gravidade dos incêndios nas matas. Em “O Mundo Perdido”, o diretor “trata com complexidade os elementos antagônicos aos personagens, como os homens-macaco”.

A grande diversão dos espectadores é adivinhar, com o filme já começado, quais foram os tópicos abordados na introdução e que raios a película acrescentaria de edificante aos que têm sede de saber. “Mercantilismo!”, arrisca um. “Choque entre gerações”, tenta outro. “Já sei! As Cruzadas”, conclui um terceiro, embora se trate de um filme mudo com temática marciana.

 

29 de agosto de 2010

Os suricatos: poder e cobiça
por Vanessa Barbara

Se Fredo e Vito Corleone coçassem as costas com os pés; se Carmela Soprano comesse larvas de insetos; se Ray Liotta fosse o chefe da máfia de Kalahari e se Donnie Brasco tivesse o focinho pontiagudo, poderiam ser os protagonistas de “No reino dos suricatos”, série do Animal Planet que tragicamente parou de ser exibida no país.

Produzida pela Oxford Scientific Films, a novela estreou em 2005, misturando gravações de câmeras ocultas com uma narração essencialmente dramática. Para quem está por fora, suricatos são mamíferos de 30 centímetros de altura, da família dos mangustos.

A abertura da série tem um quê de “Maria do Bairro”: apresenta os personagens como “a rebelde Tosca”, “o intrépido Mitch”, “o pequeno e corajoso Shakespeare”, “o encrenqueiro Houdini” e “o vilão Hannibal”, todos eles animaizinhos ansiosos e alertas.

Ao longo da saga, o clã dos Whisker tem seu Michael Corleone, que no caso é uma suricata fêmea chamada Flower. A semelhança é clara: o especial “No reino dos suricatos: O começo” é praticamente uma refilmagem de “O poderoso chefão”, só que com suricatos. Em 75 minutos, mostra a ascensão e queda da matriarca guerreira, com direito a amores proibidos, expulsão da família e posterior redenção.

O filme parte do nascimento de Flower, “a escolhida”, e passa pela trágica morte de sua irmã Petal, numa cena de suspense que nada fica devendo aos grandes mestres do gênero. Introduz o andarilho Youssarian, galã da novela e membro do clã inimigo. “Uma coisa é preciso reconhecer: Youssarian é completamente sem noção”, diz o narrador, acerca das conquistas amorosas do efusivo mangusto. Pois ele tem um irmão, o lépido Zaphod, que acaba faturando a mocinha – visto que é justo, reto e polido. O antropomorfismo é tolo, mas isso não faz a menor diferença.

Como nos melhores filmes de gângsteres, os Whisker têm que disputar seu território com a família Tattaglia dos suricatos: os mesquinhos Lazuli, que são parentes do novo amor da heroína. A essa altura, quase ouvimos os heróis dizerem algo como: “Flower, você é minha irmã e eu te amo. Mas nunca fique contra a família de novo. Nunca”. 

Então eles mordem as próprias patas e saem para caçar minhocas.

 

22 de agosto de 2010

Uma catraca para a fama
por Vanessa Barbara

Foi por razões acadêmicas que me propus a resenhar o programa "Busão do Brasil" (Band), tendo publicado um livro-reportagem sobre o Terminal Rodoviário do Tietê (O Livro Amarelo do Terminal), e ciente de minha condição de especialista em questões de transporte coletivo.

Nessa atração, o primeiro reality show itinerante da TV brasileira, doze participantes ficarão confinados num ônibus que percorrerá 4 mil quilômetros, com paradas em 16 cidades diferentes. O prêmio é de 1 milhão e será entregue no destino final, São Paulo, em outubro.

A despeito das elevadas expectativas, foi impossível assistir até o fim. As brigas violentas por uma lata de leite condensado, a falta absoluta de graça/interesse e a supremacia da lycra no vestuário dos participantes acabaram impossibilitando a empreitada.

Diante desse revés, apresento aqui minha sugestão para um reality show dentro de um coletivo, que se passaria durante uma viagem do 701-U, Jaçanã – Butantã/USP, onde, a exemplo da atração da Band, "o psicológico fica lá em cima" e "é preciso ser um guerreiro".

Os participantes do reality serão 38 pessoas sentadas e 74 em pé, que terão que conviver por 2 horas e meia com um fardo de tecidos, uma samambaia e dois travesseiros carregados por uma senhora que, antes de sair, exagerou no perfume.

Durante o programa, o cobrador ficará encarregado de assuntar com as celebridades, fazendo perguntas íntimas, eliminando os que param na porta sem a intenção de descer e anunciando provas-relâmpago, como a do "um passinho pra frente, por gentileza", que acontece sempre que um novo membro tenta embarcar.

A prova mais temida da atração, porém, ocorre quando alguém cochila e perde o ponto. Ela se chama: "Vai descer no próximo" e é de um suspense insuportável – o pobre coitado tem que se acotovelar entre sacolas de mercado, canos de PVC e uma patrulha de escoteiros, vencer a catraca e se arremessar em direção à saída, quando então descobrirá que é tarde demais e que o programa chegou ao fim: o ônibus pifou e os passageiros ganharam como prêmio uma caminhada noturna pela avenida Guapira.

Aí começa outro reality show, inspirado em "No Limite".

 

15 de agosto de 2010

Discípulos de Bottini
por Vanessa Barbara

“Compre! Compre! Compre!”, dizia Ciro Bottini no canal de vendas Shoptime, pedindo “música para quem ligou a tevê neste momento”.

Naquela época, o célebre apresentador aprovava os produtos com o selo de qualidade do dedão e dialogava com a dona de casa, fazendo ele mesmo a pergunta (com voz fina) e respondendo logo em seguida: “Mas, Bottini, dá pra passar as fotos para o computador com essa câmera digital?”.

Era irresistível. Ainda que fosse um multiprocessador de 20 quilos que brilhava no escuro e triturava coturno, dava vontade de ter um em casa.

A moda começou com Luiz Galebe, que, em 1987, fundou o programa “Shop Tour”, na época veiculado só de madrugada. Hoje há dezenas de atrações similares. A mais conhecida é o “BestShop TV” (Gazeta), que chega a ter cinco horários ao longo do dia. (Um deles vai das 22h30 às 6h.)

No catálogo, garbosas máquinas de fazer pão, panelas elétricas de arroz, massageadores e aparadores de pelos. Não há nada mais zen do que assistir ao programa sem um telefone por perto, alternando com o infomercial da escada articulada que pode ser montada em até 14 posições e o aparelho de fitness que dá choque na barriga enquanto você trabalha no escritório.

As apresentadoras são loiras, têm as unhas cintilantes e articulam exageradamente as vogais, como se estivessem falando com um vaso de plantas. Enaltecem os utensílios de cozinha e, não raro, derrubam comida no chão ou deixam queimar a bisteca. Conversam o tempo todo com o sonoplasta e se referem aos vegetais folhosos como “taliças”.
A fim de convencer a dona de casa, proferem frases como: “O alumínio sabe espalhar o calor como ninguém”. Sobre os aparelhos de ginástica, dizem morbidamente que eles “liberam o corpo e a alma”, ao que alguém no sofá de casa faz o sinal da cruz.

Para esses profissionais da persuasão, aparelhos pequenos são “compactos”, estampagem cafona é “alegre” e até um simples prato está equipado com “tecnologia pura”.

É o que nos resta na madrugada: ver como fazem os apresentadores para vender um inseto de pelúcia “divertido e colorido”, um tocador de MP4 com rádio-relógio e um bafômetro – todos no mesmo lote, numa promoção bombástica de 6 parcelas de 49,99.

 

8 de agosto de 2010

Muito além da sarcoidose
por Vanessa Barbara

À exceção dos médicos, ninguém se importa com a questão da verossimilhança na série “House” (Record, qui. à 0h15; Universal Channel, qui. às 22h). Nela, o protagonista age como um detetive, elucidando diagnósticos complexos em seu hospital.

A despeito da respeitável média de casos solucionados, o dr. Gregory House não é o melhor dos médicos para se consultar.

Primeiro porque o sujeito é internado com uma leve coriza e sai de lá com a doença de Creutzfeldt-Jakob, num prognóstico otimista de 45 minutos de vida. Além do mais, não há moléstia neste planeta que lá não se cure com uma boa punção lombar, farta exposição à radioatividade ou um amputamento randômico.

Isso quando não se desmaia de repente e, no hospital, acabam te induzindo ao coma e a uma biópsia cerebral, para então revelarem a sua verdadeira condição de hermafrodita.

O momento mais marcante da série, porém, não envolve a inoculação proposital de malária num paciente, mas a internação do próprio dr. House num hospital psiquiátrico, logo no início desta temporada.

O episódio duplo já começa desolador, exibindo imagens desfocadas da desintoxicação de House. Em seguida, ele sai raivoso do confinamento, alimentando a claustrofobia e a paranoia dos colegas só para ganhar uma partida de basquete.

A uma moça deprimida, pergunta casualmente se ela cortou os pulsos e, ao ser repreendido, diz: “Desculpe, o suicídio é assunto proibido? Droga, acabo de entrar e já quebrei uma regra. Acho que vou me matar”.

Com o tempo, porém, ele desenvolve uma afeição curiosa pelo colega de quarto, Alvie, um ruidoso rapper bipolar, o que culmina com sua participação num show de talentos. Quando Alvie sobe ao palco e esquece o que rima com senil, o dr. House grita, da plateia: “Meu colega de quarto é um imbecil”.

No ritmo, Alvie pergunta a House o que fazer para melhorar. A resposta é certeira: participar de um show de talentos.

De um modo muito mais verossímil do que se poderia esperar, a redenção ali surge em pequenos momentos. Um deles é quando a gordinha tímida dança a macarena. O outro é quando Alvie olha pela janela e vê House partindo, com sua camiseta de carinha feliz.

 

1 de agosto de 2010

Rugas de televisão
por Vanessa Barbara

Muitas vezes, a TV nos faz envelhecer. Aqui em casa, há ocasiões em que permanecemos hipnotizados por horas a fio, sem conseguir desligar o aparelho, presos irremediavelmente num programa qualquer. Quando saímos do transe, é setembro e já temos bisnetos.

A atração pode ser ruim ou enfadonha, não importa. É comum escutar nossos neurônios estalando, fritando, cometendo suicídio. Ainda assim, por alguma razão, continuamos sintonizados.

A categoria de programas desnecessariamente longos inclui reality shows como “American Idol”, que até maio começava às nove da noite e ocupava toda a madrugada de sábado, no canal Sony. Há também os épicos infomerciais de cintas elásticas que se alastram pelos canais numa espécie de loop demente.

Na Record, houve uma edição do “Programa do Gugu” (dom., 16h às 20h) em que se construiu uma casa para uma espectadora. Tudo nos fazia acreditar que o processo era exibido em tempo real, pois o programa deve ter durado umas boas duas horas. Prego a prego.

Nosso novo entorpecente domiciliar é o “Tribunal na TV” (Band, sex., 23h15), programa que faz a reconstituição dramática de crimes polêmicos, sob a narração do jornalista Marcelo Rezende.

No dia 23, o caso era um homicídio por asfixia de gás, estrangulamento e afogamento de uma mulher grávida de 9 meses, perpetrado pelo próprio marido na banheira de hidromassagem. O apresentador, num texto exageradamente emotivo, lança mão de inúmeras pompas narrativas para criar suspense, antecipando as atrocidades que virão e pondo em dúvida o desfecho.

Um grupo de atores sui generis assume o papel de cada um dos envolvidos. Com a naturalidade de um filólogo parnasiano, eles dizem coisas como: “O que é um filho, senão o reflexo de um amor?”. Ou: “Ele nunca me inspirou confiança. Ora grosseiro, ora distraído”.

O crime é contado de forma fragmentária, cheia de saltos temporais, talvez com a intenção de manter o espectador mentalmente confuso, sem condições de se defender desligando o aparelho.

Foi o que houve conosco naquela sexta-feira. Ao fim do programa, acordamos do transe televisivo a tempo de botar nossas dentaduras no copo d’água e ir dormir, reclamando de um leve lumbago.

 

25 de julho de 2010

Um beijo para os meus familiares
por Vanessa Barbara

Espremer-se com um grupo de amigos a fim de caber no enquadramento e sorrir para a máquina fotográfica está entre as práticas mais degradantes do ser humano. Não há páreo para as pochetes, o telemarketing, as excursões a Porto Seguro, a podologia com ênfase em micoses, o vestido balonê.

Pior que isso, só os agrupamentos formados em torno de um repórter e uma câmera de TV, em geral na avenida Paulista. É quando o indivíduo perde de vez a noção do ridículo, decidindo espontaneamente que vai fazer “poropopó” vestido de esquilo durante uma passeata em comemoração ao Dia Mundial da Vergonha Alheia.

“O repórter Fulano de Tal está com a colônia alemã em Blumenau, é com você, Fulano”, anuncia o apresentador no intervalo de uma partida da Copa, e corta para um correspondente tentando encaixar o ponto na orelha.

Em questão de segundos, ele dá a deixa para a galera (entre eles, o homem vestido de esquilo), e o que era até então um bate-papo entre cinco senhores pacatos vira uma balbúrdia concentrada diante da tela. Ao que tudo indica, é o momento mais empolgante da vida daqueles alemães – todos tocando fole e com vestes típicas.

É ainda mais triste quando o evento só existe em função das emissoras ali presentes. Alguns câmeras de TV costumam liderar marchas de protesto e dirigem as massas, solicitando que parem, voltem, façam tudo de novo. “Estamos ao vivo”, ele informa, e os populares fazem a festa, com os “urrús” de praxe. “Corta”, ele diz, e todo mundo vai pra casa cuidar de seus afazeres.

Os closes na gente simples do povo, no popular exaltado e na viúva inconsolável deviam ser proibidos por lei. A gracinha final da repórter de tailleur afetando intimidade com o entrevistado podia muito bem dar cadeia, sem direito a sol no pátio.

Gente que acena para as câmeras, olhando de esguelha para ver se a gravação já acabou: três meses de trabalhos forçados. Dançarinas sorrindo e rebolando com vistas a se destacar das demais: Sibéria nelas. Populares indignados querendo aparecer: extração dentária com chave de grifo.

Quanto aos repórteres, a única punição suficientemente rigorosa é o voto de silêncio.

 

18 de julho de 2010

Gordinhos no Pantanal
por Vanessa Barbara

Dos dezoito últimos temas abordados pelo programa “Globo Repórter” (Globo, sex. 22h), 38% pertenciam ao escopo da saúde, práticas alternativas e hipertensão. Outros 33% se referiam à vida selvagem. Há também a categoria “países exóticos” (16%), “psicologia materna”, “Doutores da Alegria” e “Chico Xavier” (os 13% restantes).

No “Câmera Record” (Record, sex. 23h), o programa de documentários da concorrência, o Pantanal apareceu duas vezes nos oito últimos episódios. Substanciais 37% foram devotados à saúde e alimentação.

Porém, no dia 9 deste mês, ocorreu na emissora um feito digno de alarde: um especial que unia a vida selvagem às dicas de bem-estar. O título: “O Pantanal que salva vidas”. Assistir aos dois de uma vez, um após o outro, é um exercício de resistência.

Naquela ocasião, na Globo, o assunto era a Amazônia. Logo de início, a câmera focalizou o repórter camuflado em meio à folhagem. Como era de se esperar, ele caminhou até chegar num ponto, onde mostrou ao espectador uma dicotiledônea com propriedades miraculosas e/ou cicatrizantes. “Por essas bandas é assim”, disse a narração, sempre criativa.

Por exemplo: os índios são chamados de “guardiões de toda a sabedoria”, a floresta é “cheia de mistérios” e a chuva “chega sem avisar”. Depois de um intervalo comercial, também sem avisar, o foco passou para a Nova Zelândia, do que se conclui que deve ter havido um saudável aproveitamento de material.

Nesse tipo de programa, a figura do repórter só serve para fazer gracinhas, apontar-e-mostrar zebras na paisagem e ter experiências antropologicamente desastrosas.

Enquanto isso, na Record, o tom era parecido, mas menos previsível. Um sujeito decidiu comer uma aranha e disse que tinha “gosto de caju”. Um pantaneiro descalço aceitou usar sapatos. Há um close ousado num tatu fedido.

Com vistas a contribuir para a fertilidade da imaginação dos produtores, aí vai uma lista de novos temas para os programas: aftas. O mecanismo das roldanas. Aqualoucos. Pelota basca. Tartarugas brutais. Gota. Extraterrestres. Metafísica aplicada. Código Morse. Ou partam logo para um especial sobre gordinhos hipertensos no Pantanal lendo Chico Xavier e domando zebus.

 

11 de julho de 2010

Detetives pouco selvagens
por Vanessa Barbara

Ele tem medo de germes, agulha, leite, morte, cogumelos, altura, multidões, elevadores, coisas redondas, lençóis e filhotes (nessa ordem). Também evita o contato com liquidificadores e abelhas – e com abelhas em liquidificadores.

Adrian Monk, o detetive menos destemido de San Francisco, finalmente desvendou seu principal caso, após oito temporadas tentando descobrir quem matou a esposa Trudy, na série “Monk”.

Nesse período, mesmo sendo dependente de lencinhos de limpeza e sofrendo de um severo transtorno obsessivo-compulsivo, ele conseguiu resolver 125 crimes. Venceu os meliantes mais durões e encarou sérias ameaças, embora tivesse pânico de joaninhas. (“Tem natureza nas minhas mãos!”, ele grita, após se sujar com terra.)

Adrian Monk é a prova televisiva de que as limitações pessoais podem ser contornadas e até transformadas em qualidades – “é um dom e uma maldição”, afirma. Ele costuma dizer: "Você vai me agradecer mais tarde", enquanto desinfeta uma evidência ou alinha os pés do cadáver.

Monk usa sua patológica fixação pelos detalhes para identificar o que ele chama de “peças fora do lugar” na cena do crime. “Esta sala é um pesadelo do feng-shui!”, reclama. Para ele, tudo precisa fazer sentido. Por mais que, na vida cotidiana, essas minúcias quase o tornem incapaz, são elas que lhe dão vantagem durante a investigação, convertendo suas fraquezas em forças.

Outro grande exemplo desse paradoxo é o detetive Columbo, da série homônima, a quem ninguém dá a mínima porque é vesgo, malvestido, descabelado e confuso. É justamente esse o seu método de solucionar crimes: aproveitando-se da arrogância alheia.

Quanto mais poderoso o assassino, mais superior ele se sente e, assim, tenta didaticamente trazer o pobre detetive à luz. É aí que Columbo, prestes a sair da sala e agradecer pelas informações - para alívio do suspeito -, diz: “Só mais uma perguntinha”. E desmonta o caso.

Em suma, ambos são “o oposto do Batman”, têm olho de vidro ou podem surtar diante de inofensivas gaitas, mas, no final, levam a melhor. Com todas as peças do homicídio encaixadas, Monk pode, enfim, descansar. “A menos que eu esteja errado, o que, você sabe, eu não estou...”

 

4 de julho de 2010

Campeões de audiência
por Vanessa Barbara

A cada programa de TV que vai ao ar, dúzias de projetos sem nexo ou possibilidade de audiência são rejeitados. Pois a série “Campeões de Audiência” (Canal Brasil) aposta justamente nesse rico filão. Em treze episódios, o ator e diretor Michel Melamed desenvolve 26 ideias que canal nenhum, em plena e sã consciência, teria coragem de produzir. “São programas com temas tão estapafúrdios que nem traço no Ibope tentarão”, explica.

Se algumas dessas ideias são pretensiosas, outras mereciam ir imediatamente para o horário nobre. Como o “Game do Fodido”, em que dois pobres-diabos disputam para ver quem é o mais desafortunado. “Eu mesmo não almocei”, observa Melamed, gabando-se. Um dos concorrentes é mudo, tem pontes de safena, tifo, tumor, lepra e nome no SPC. O outro é cego, tem asma, arteriosclerose, tétano, tuberculose e tentou o suicídio oito vezes. Como se não bastasse, é judeu, negro e índio. Acirrada, a disputa seria resolvida nos detalhes (“Uma diarreia! Piolho! Unha encravada!”).

Há programas que certamente enriqueceriam nossas tardes: “Joelho TV” faz do salgado de presunto e queijo uma estrela. “Aqua Mondo” exibe uma degustação de águas com celebridades. “TV TV” é um debate aberto ao público num sofá no Largo da Carioca.

“Favela Planet”, por sua vez, é um especial de viagens dedicado às periferias. “Agora a gente vai pegar o bondinho e encontrar o Guedes”, ele anuncia, no Morro de Santa Marta, cujos principais pontos turísticos são a laje do Michael Jackson e a imagem da santa. “Quais são as opções de estadia por aqui?”, ele consulta um morador, com o guia na mão.

Já o programa “Os Melhores Açougues, Arames Farpados e Solos de Bateria do Mundo” é exatamente o que diz o título. “Celebrity Sono TV” entrevista atores como Rodrigo Santoro, que dá um boa-noite literal à câmera e passa cerca de 6 minutos dormindo em rede nacional.

“As Mais Belas Lágrimas do Mundo” passa a receita do kit choro: cebola, cânfora, colírio e cuspe. O convidado Matheus Nachtergaele é pedido para interagir com um pneu e se emocionar. “Eu pensei em começar dizendo: ó, pneu, quanto você já rodou. Mas depois eu percebi que você é novo”, diz, inconsolável. E chora.

 

27 de junho de 2010

A síndrome do excelente Effenberg
por Vanessa Barbara

“Então os desbravadores europeus se espalharam para o centro da África e...”, discorreu Galvão Bueno, durante o modorrento confronto entre Inglaterra eArgélia, no último dia 18.

É nos momentos mais soníferos dos jogos mais mornos que os narradores esportivos têm que provar seu valor, entretendo os ouvintes com sua sabedoria aleatória. Naquela ocasião, discutiu-se a estampa florida da bermuda térmica de um dos atletas. Em seguida, Galvão declarou que o melhor em campo era o juiz do Uzbequistão.

Os locutores aproveitam o ensejo para lançar mão de todos os seus recursos de oratória. Uma seleção pode, por exemplo, “assimilar” o gol adversário e efetuar fortes passes “em profundidade vertical” (o popular chutão).

Em transmissões, é comum dizerem que o jogador “primeiro tentou na categoria, depois na raça”, ou seja, primeiro tentou roubar a bola, depois apelou para uma sangrenta voadora. Menciona-se a “desinteligência” do esquema tático para se referir à burrice do técnico, e o “bom humor da torcida” quando esta emite palavrões de fazer corar Edmundo, o saudoso Animal.

Entre as gafes históricas da narração televisiva está uma transmissão da Copa de 74 feita por um pool de comentaristas, entre eles Galvão Bueno. O trio narrava um ataque do time da Bulgária, quando a bola saiu pela linha de fundo e foi tiro de meta para a Suécia. Nesse momento, a câmera deu um close no placar do estádio: “Austrália 0, Alemanha Oriental 0”. Pânico na cabine.

Galvão Bueno não tinha nada a fazer senão continuar: “Vai a Austrália para o ataque e a Alemanha Oriental se defende como pode”, informou, numa locução esquizofrênica em que a Bulgária chutou por cima do gol da Suécia e quem bateu o tiro de meta foi a Austrália. Ambos tinham as mesmas cores de uniforme ­– amarelo de um lado e branco do outro.

Mas o maior tropeço ainda estava por vir. Na Copa de 94, conforme reza a lenda, um locutor colombiano se superou, entrando imediatamente para o cânone. Primeiro disse: “Stefan Effenberg está com a bola, que bom jogador é Stefan Effenberg... excelente Effenberg”.

E, logo em seguida: “Senhores, substituição no time da Alemanha. Entra Stefan Effenberg”. Silêncio incômodo.

 

20 de junho de 2010

Em "Roma", como os romanos
por Vanessa Barbara

Aqui em casa, somos patologicamente suscetíveis a séries de tevê. Os efeitos se mostram mais impactantes quanto mais distante está o seriado da nossa vida real – na época de “Família Soprano”, por exemplo, não demoramos mais que quinze minutos para aderir à Máfia.

Durante meses, tomamos Nescau batido na padaria enquanto discutíamos quem ia virar “capo” e quem ia virar presunto. Nunca foi tão descolado sair à porta de casa em pantufas para apanhar o jornal. Aliás, o episódio em que Bobby Bacala compra um trenzinho de brinquedo nos fez chorar aos soluços, tanto que foi preciso intercalar com um trecho de “Barney e Seus Amigos”, a título de calmante.

Recentemente, passamos a andar de capuz só por causa de outra série, “The Wire”, excelente drama policial que enfoca o tráfico de drogas num subúrbio de Baltimore. Agora, ao avistar um homem da lei dobrando a esquina, gritamos “Five-O!”, que é a gíria usada para se referir aos policiais (em homenagem a “Havaí 5.0”). Montar escutas telefônicas também não nos oferece mais nenhum mistério.

“The Wire”, aliás, tem o melhor final de série de todos os tempos. O caneco de melhor início vai para “Lost”, embora o episódio de abertura da sexta temporada de “House” nos tenha conduzido às lágrimas. A comoção doméstica foi ouvida até pelo porteiro do prédio vizinho, que passa a madrugada assistindo reprises de “Pica-Pau”.

“Monk” nos fez andar na rua encostando o dedo nos postes. Após nove temporadas de “Arquivo-X”, suspeitamos de uma conspiração em plena reunião de condomínio. “Millenium” foi a opção dos dias mais tristes, só porque era uma história trágica e nos dava a sensação de que “havia gente bem pior”. Em nossa fase “24 horas”, só se entrava na cozinha com um chute na porta, na ânsia de torturar os melhores donuts.

O efeito nem sempre é coerente com os propósitos da série: “Columbo” nos fez sentir muito espertos, ainda que amassados, confusos e meio vesgos. “Twin Peaks” nos deixou mais esquisitos. “Em Terapia” provocou silêncios amuados, angustiados, confusos. “Top Chef” deu alguma utilidade à cozinha, recinto menos prestigiado da casa.

Quero só ver quando começarmos “A Sete Palmos”.

 

13 de junho de 2010

Volta, "Walk Talk Show"
por Vanessa Barbara

“Olá. Posso te conhecer?”, pergunta Robson de Andrade Gonçalves, entrevistador do extinto programa “Walk Talk Show” (TV USP). Com o microfone na mão, seu trabalho era abordar populares que passavam pelo campus da universidade, sem pauta e nem objetivo específico. “Oi. Tudo bom?”, ele insistia, e havia quem respondesse: “Não”.

Isso nunca foi motivo de constrangimento para Robson, codinome Rob Ashtoffen. O programa “que fala, fala, fala, e anda, anda, anda” durou duas temporadas e não tinha nem sombra de roteiro. Num episódio típico, o destemido repórter se aproximava de alguém e perguntava o que lhe desse na telha, seguindo ocasionais sugestões transmitidas via walkie-talkie pelo diretor do programa.

Só na conversa fiada, ele descobriu coisas extraordinárias como a biblioteca do centro acadêmico da USP–São Carlos, que abre inclusive aos domingos, quando “é só chamar ali no portão que eu abro”, segundo a encarregada. É a única instituição acadêmica a ter um cachorro residente, o Bob, e dois morcegos, o Maconha e o LSD, que veem tudo de ponta-cabeça. A bibliotecária-chefe aparece em fotos institucionais mostrando o dedo do meio. Foi ela quem, em 1983, causou tumulto no campus: “Peguei um carrinho de pedreiro, invadi o alojamento e recuperei os livros atrasados”, contou.

Robson costuma aparecer de forma inesperada e, diante da falta de assunto, pergunta coisas como: “Você pretende ter filhos?” ou “Você acha que a criação da sua mãe te influenciou a não ter sonhos?”, este último a um calouro da faculdade sem objetivos de vida. “Não estou me empenhando muito por nada”, o sujeito confessou.

A um professor de astronomia, papeou sobre manchas solares e questionou se o apocalipse estava próximo. A uma moça que pregava anúncios no mural, conseguiu extrair a constatação muito íntima de que “os meus cartazes são bem colados”. Sociabilizou com a moça do hot-dog, com um maluco local e com duas estátuas.

“Não sou um entrevistador, sou uma pessoa que conversa”, declarou. Para o rapaz, o ofício de entrevistar “é que nem boiar na água, né?”.

Robson, talvez o melhor entrevistador da TV, é um insólito estudante de biblioteconomia.

 

6 de junho de 2010

Este ainda não é o meu cachecol
por Vanessa Barbara

Álvaro Garnero, 42 anos, apresentador e multimilionário, já apareceu em rede nacional untado em óleo de oliva e vestindo calça de couro, durante uma luta turca. Já cavalgou no mar da Jamaica, socializou com velhos bérberes do monte Atlas, comeu frutas secas em Damasco, tomou banho com elefantes na Malásia, andou de quadriciclo e pagou os maiores micos da televisão brasileira, sem ligar a mínima.

No sábado passado, foi ao ar o último episódio desta temporada de “50 por 1” (Record), inteiramente dedicada a viagens pelo Brasil. Foi quando o carismático e alaranjado Álvaro Garnero mostrou-se em sua melhor forma,  interagindo com o povo simples e sorrindo mais do que permitia a força humana.

Em São Paulo, aprendeu a rolar de uma escada e ateou fogo no próprio braço, durante um curso para dublês. Em Alagoas, visitou o peixe-boi Aldo. Em Joinville, vestiu colã e tentou acompanhar uma aula de balé. Uma de suas frases mais proferidas nesta temporada: “Você só escuta o pessoal rindo por todos os lados. É um negócio inacreditável”.

Tudo isso pontuado pela participação do narrador, Mario Chamie, poeta e membro da Academia Paulista de Letras. Em off, ele fornece dados históricos sobre as localidades, bem como informações gerais e adendos sarcásticos. A certa altura, reflete: “Quem não é um eterno iniciante nas grandes lições da vida?”.

Corta para Álvaro de cachecol.

No último episódio, em Porto Alegre, o apresentador trocou de adereço cervical três ou quatro vezes. Vestiu coletes modernos e postulou: “Não existe gaúcho sem cavalo”, numa frase que entrará para a história da atração. Álvaro dançou o “copérnico”, nitidamente confuso entre a dupla de cantores Hique e Nico, do Tangos & Tragédias. Emitiu inúmeras vezes seu famoso bordão: “Mas esta ainda não é a minha Porto Alegre”. Bateu com o remo na própria cabeça e caiu sem querer na água, usando um maiô azul de corpo inteiro. Vestiu bombachas. Jogou punhobol e exclamou a clássica: “Gente, vocês não têm noção”, para gáudio dos telespectadores do programa, um dos mais involuntariamente divertidos da tevê aberta.

Por fim, concluiu: “Observar a doma de um potro é um aprendizado. Esta é a minha Porto Alegre”.

 

30 de maio de 2010

O melodrama das questões vernáculas
por Vanessa Barbara

A julgar pela nossa teledramaturgia, o uso do subjuntivo é bem difundido entre os brasileiros. Emprega-se com grande espontaneidade o futuro não-composto: em “Ribeirão do tempo”, novela da Record, um senador diz que o filho “não verá” algo acontecer. Ele desabafa: “Não suporto essa sua cara de deboche infindável”, o que soa muito natural. O filho responde: “Pode perder as esperanças, coroa”.

Na trama, xinga-se com pungência, dizendo que Fulano é catastrofista e bobalhão. Os personagens argumentam como num romance de cavalaria, a exemplo da loira que pondera ao namorado: “Sem dúvida, mas o que eu quis ressaltar é que...”. Alguém usa a palavra “inexpugnável” e a mocinha cai de amores.

Quase no mesmo horário, na Rede Globo, um uso acentuado de ênclises que encheria de orgulho o velho gramático Napoleão Mendes de Almeida: “Meta-se com o seu casamento e deixe o meu em paz”, grita uma das mocinhas de “Passione”, no auge do rancor. A atilada utilização pronominal não cessa nem nos momentos mais difíceis, como quando a jovem noiva indecisa pede: “Será que você pode nos deixar a sós?”.

No campo das ofensas, os arroubos léxicos atravessam oceanos (“maledeto!”, “porca miséria!”) e gerações – uma certa personagem é “tinhosa”, o marido traidor é “indecente”. Também é possível pensar em voz alta utilizando-se da seguinte construção: “Eu tenho que tirar essa mulher da minha cabeça”.

Em “Uma rosa com amor”, do SBT, nem as adolescentes fogem à correção, dizendo: “Confesso que sinto um pouco de medo”. Tomados sempre por um ímpeto sintático impecável, os personagens se referem “à pobre da magricelinha da Miriam” e, numa discussão brutal, observam: “por favor, não me enfeze, porque eu posso acabar perdendo as estribeiras”. Conjuga-se muito bem no horário nobre.

 

23 de maio de 2010

Estatísticas finais de "24 horas"
por Vanessa Barbara

Foram oito temporadas de ameaças terroristas à supremacia ianque. Quase duzentas horas – em tempo real – de derramamento de sangue, abuso de autoridade e falta de respeito ao patrimônio público. Chega ao fim amanhã a série 24 horas e, com ela, a saga patriótica do agente Jack Bauer, uma espécie de MacGyver moderno que, para defender a nação, realizou proezas como sequestrar o presidente dos Estados Unidos e abrir a jugular de um desafeto com os dentes.

Às fãs que, a essa altura, ainda cobiçam fervorosamente o protagonista e dariam tudo para participar de um jantar à luz de velas com o moço, saibam que é uma péssima ideia. Segundo nossas estatísticas, são 50% as chances de se ter uma morte trágica, 25% de ser torturada pela máfia chinesa ou assassinos árabes, 37,5% de descobrir que alguém de sua família é terrorista, 12,5% de ser usada como isca, 37,5% de ter seu filho sequestrado e 62,5% de ver um ente querido ser torturado por sua cara-metade. Seu pai também pode sofrer sérias ameaças (duas em cada oito vezes) e seu ex-marido, pior ainda (três fatalidades em oito). A conta fecha em mais de 100% porque tragédias simultâneas podem ocorrer com as mesmas mulheres ­­– a média de desgraças é de 2,87 por pretendente. Há também duas chances em oito de que você enlouquecerá ou ficará catatônica.

Em 24 horas, tampouco compensa ser presidente dos EUA: há uma probabilidade de 44,4% de ser morto ou ficar em coma devido a uma ação terrorista, 22,2% de ter o próprio filho assassinado, 11% de ser apunhalado pela esposa, 22,2% de sofrer uma ação bilionária de divórcio, e só duas chances em nove de deixar o cargo sem nenhum escândalo envolvendo parentes, tráfico de material atômico ou conspiração governamental. Isso quando não se é, por si mesmo, um traidor da nação (dois em nove presidentes demonstraram pendor para a atividade).

Até agora, faltando um episódio para terminar a série, que ao todo possui mais de uma semana corrida de duração, Jack matou 261 pobres-diabos, numa média de 32,6 por dia e 1,72 por hora. Salvou o mundo. Invadiu consulados, cometeu contravenções federais, torturou à larga, estripou um homicida e sacrificou inocentes em nome da pátria. Impossível calcular quantas ONGs em defesa dos direitos humanos foram criadas por conta da série.

Por diferentes motivos, a maioria fatais, ao menos quinze pessoas próximas a Jack Bauer se arrependeram de tê-lo como amigo. Destes, quatro sofreram ação direta do agente (três tiros e um decepamento). Os inimigos não se saíram melhor, já que a taxa é de quase 100% em vilões falecidos pelas mãos do justiceiro. Ou seja: não é uma boa ideia ser colega, namorada e nem parente de Jack Bauer (dos familiares, metade bateram as botas), mas também não compensa virar inimigo. Na dúvida, ao avistá-lo chegando com as compras, mude de calçada.

 

 


God is coming.
Look busy.



2005 Vanessa Barbara