Paisagens da crítica – O Verão do Chibo

Postado em: 28th julho 2008 por Vanessa Barbara em Clipping
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Paisagens da crítica
28 de julho de 2008

por Júlio Pimentel Pinto

O verão do Chibo é um exercício de estilo. Seus dois autores – Vanessa Barbara e Emilio Fraia – buscam uma dicção fluida, um narrador que mantenha o ritmo nas descrições, que enxergue de fora e, ao mesmo tempo, atue e fale como um dos participantes dessa história de crianças que crescem e, ao crescerem, mudam de lugar, de condição, de mundo.

Às vezes, o leitor se sente em meio a uma quadrilha ou a uma brincadeira de roda, em que os pedaços da infância voltam e se combinam, dançam entre si, trocando de mãos e de pares, sem perder o modo fragmentário de quem lembra e sabe que, do passado, fica mais ausência do que resíduos, embora a memória às vezes nos persiga, idéia fixa, como mosca teimosa que insiste em pousar.

Chibo é o irmão mais velho e desaparecido do narrador, que percebe outros sumiços na ciranda do crescimento. Chibo é o advento desconfortável da maturidade. Não importa se o Chibo é real – para o narrador, para o leitor. Nem se suas aventuras, detalhadas na fala do mais moço, de fato aconteceram como são contadas. Chibo é tudo que se pode querer como irmão e modelo: forte, protetor, sabido; é aquele que possui a figurinha rara e lidera o universo em que vivem os personagens da história; conhece a zona proibida e ensina a respirar – literal e metaforicamente.

Por isso, sua ausência rodeia o narrador como a corda na garganta, o mar ao que se afoga. A perda é sentida no presente, que move a memória e preenche – com a sensação do hoje – os intervalos do passado lembrado. A saga quotidiana e infantil do narrador atravessa, assim, as referências que podem ajudá-lo a compreender o que o irmão foi e o que ele, pequeno-quase-grande, pode vir a ser. Para tanto, aparecem, aqui e ali, sinais do cinema e dos quadrinhos – de super-heróis a Calvin & Haroldo, de um mundo recheado de onomatopéias e de (nem sempre necessários) trocadilhos. Porque se é verdade que só crescemos quando esconjuramos os fantasmas da infância, é também inevitável que retomemos os verões com Chibo para chegarmos ao verão do Chibo – que, na verdade, é o verão sem Chibo: são os tempos-territórios que podem nos justificar, que podem ficar mesmo quando a infância se desfizer. Quando o novo lugar do Chibo e dos outros for compreendido, a ausência,essa ausência assimilada, ninguém a roubar mais do narrador.

Embora haja algum excesso no livro (principalmente nas citações e repetições), os autores conseguem manter o ritmo e a fluidez do relato e lidam bem com as variações de registro, passando do mosaico de cultura pop a um lirismo que não chega a ser declarado, mas tampouco é envergonhado. Certamente é o argumento sólido, associado ao assumido contorno cinematográfico da narrativa, que assegura a força do romance e mostra que Barbara e Fraia não se limitam – como tantos, hoje em dia – a fazer joguinhos de códigos para que os amigos decifrem.


Vanessa Barbara e Emilio Fraia. O verão do Chibo. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2008