A menina e o Jabuti

Postado em: 29th outubro 2009 por Vanessa Barbara em Clipping
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Canto dos Livros
29 de outubro de 2009

por Rodrigo Casarin

vanessa
Nino Andrés/ Cosac Naify

Com apenas 27 anos, ela já integrou mesa de discussão na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) e, em 2009, levou para casa o prêmio Jabuti na categoria Reportagem com O Livro Amarelo do Terminal. Falo de Vanessa Barbara, que se formou em jornalismo pela Cásper Líbero, apresentando como TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) exatamente a obra que mais tarde lhe valeria um troféu em forma de tartaruga. A escritora, que está abandonando a carreira jornalística para se dedicar exclusivamente a textos de ficção e trabalhos de tradução, concedeu por e-mail para o Canto dos Livros a bem-humorada entrevista abaixo, onde, dentre outras coisas, relata como começou sua paixão por pudim.

Canto dos Livros: De onde surgiu a idéia de falar do terminal do Tietê?
Vanessa Barbara: Queria fazer um livro sobre as ruas de São Paulo, mas teria que falar de calçadas, semáforos e meios-fios, o que me deixaria imensamente avoada, então acabei escolhendo a rodoviária porque é o lugar que mais se parece com a rua. O terminal traz histórias que ilustram contradições da metrópole: a modernização, o movimento repetitivo das pessoas que vão-e-vêm, a inconstância, a idéia de massas; e, por outro lado, a sensação de não-pertencimento, a vontade de retornar ao lugar de partida, o anacronismo dos personagens, a permanência – aquilo que nunca muda.

Canto dos Livros: Como foi o processo de apuração e redação d’O Livro Amarelo do Terminal?
VB: Foi uma apuração de aproximadamente um ano, durante o qual vivia apavorada. O que mais me incomodava, além dos entraves burocráticos, era a minha completa inaptidão para conversar com as pessoas. Às vezes eu ficava em silêncio ao lado de algum entrevistado vendo os ônibus passarem, por puro pânico e falta de perguntas. Isso às vezes era uma vantagem, porque o sujeito acabava falando qualquer coisa que lhe viesse à mente.

Já a parte da redação foi mais tranquila e correu bem. De início, seria um livro de crônicas, mas os textos foram saindo num gênero mais híbrido e, como no formulário de inscrição dos TCCs não havia a opção “crônica”, acabei me rendendo ao formato de reportagem.

Canto dos Livros: O livro tem forma e linguagem que foge totalmente do que vemos na grande imprensa e do que é ensinado nos cursos de jornalismo. Como ele foi recebido pelos professores e avaliadores do seu TCC?
VB: Meus orientadores, Marcelo Coelho e Welington Andrade, gostaram bastante do trabalho e me deram liberdade para fazer o que eu bem entendesse. A banca avaliadora era formada por Sérgio Alcides, Flávio Lobo e Nanami Sato, que a propósito caiu da cadeira logo no início da apresentação – mas não porque estivesse impressionada com o trabalho, como se poderia supor. De qualquer forma, eles gostaram do livro, me deram nota 10 e sugeriram algumas alterações, que mais tarde acabei incorporando.

Canto dos Livros: O seu livro se encaixa nos preceitos do Jornalismo Literário. Em algum momento você se preocupou com que o livro se encaixasse neste “rótulo”?
VB: Jornalismo Literário não é nada mais do que escrever não-ficção usando uma técnica narrativa de ficção. Não é intrinsecamente bom ou mau, é uma técnica. Se for malfeito, pode ser tão ruim quanto uma matéria convencional mal apurada. Como falei, tentei misturar o estilo mais convencional com um tom de crônica, sabe-se lá Deus por quê.

Canto dos Livros: Qual era a sua expectativa para o Jabuti e o que ganhar este prêmio representa para você?
VB: Não achava que um livro totalmente amarelo pudesse vencer o Jabuti, mas veja só que surpresa. É um livro incomum, diferente e um tanto experimental, então fiquei surpresa de ver que uma coisa esquisita assim também podia ganhar prêmios. Acho que os jurados se convenceram ao tomar conhecimento de uma frase do John dos Passos (“Repara no amarelo, é lindo”) e de outra do Van Gogh (“Como é agradável o amarelo! Ele simboliza o sol”).

Canto dos Livros: Você já participou de mesa na Flip e levou um Jabuti com 27 anos. Como uma jovem é recebida no meio literário, cujas pessoas costumam ser mais velhas?
VB: Tenho 27, mas sou a mais idosa das escritoras. Gosto de usar pijamas, de escrever com uma manta xadrez nos joelhos e até hoje não aceito a reforma ortográfica de 1971, aquela que aboliu a maioria dos acentos diferenciais, como o de flôres e de agôsto. Aos 30 anos, estarei nas ruas protestando contra as discotecas, esses templos de licenciosidade pagã.

Canto dos Livros: Você já está trabalhando em algum outro livro? Sobre o que será? Já tem previsão de lançamento?
VB: Estou escrevendo uma história em quadrinhos em parceria com o ilustrador Fido Nesti, que se chama A máquina de Goldberg. Tenho um livro infantil que vai sair ano que vem pela editora 34, ilustrado pelo Andrés Sandoval, que se chama Endrigo, o escavador de umbigo. E estou escrevendo um romance, mas esse é segredo.

Canto dos Livros: Quais são as suas principais referências literárias?
VB: Para o Amarelo, li alguns jornalistas e escritores como Joseph Mitchell, Gay Talese, Truman Capote, Hemingway, John dos Passos, João do Rio, Rubem Braga, Luis Fernando Verissimo, George Orwell, Charles Dickens e até um quadrinista, o Will Eisner. Na literatura de ficção, gosto de Flaubert, Cortázar, Borges, Kafka, Campos de Carvalho, Cervantes, Sterne, Drummond, Poe, Svevo e Lewis Carroll.

Canto dos Livros: É verdade que você quer parar de escrever não-ficção? Por quê?
VB: Como ficou sabendo? Sim, é verdade. Dei um tempo no jornalismo porque tenho muita dificuldade de fazer a apuração, de conversar com as pessoas, e percebi que ficava cronicamente apavorada com a obrigação de fazer isso. Então, decidi me dedicar mais a ficção, crônica e tradução. Também reviso legendas de filmes em polonês.

Canto dos Livros: De onde vem e como você lida com o seu fascínio por pudim?
VB: Começou em 1984, quando eu estava ocupada mastigando os meus próprios dedos e de repente me deparei com um grande e translúcido pudim. Meus preferidos são os de leite, mas os de laranja também são dignos de nota e – por que não? – os flans de chocolate e de ameixa têm um espaço cativo no meu coração. É tudo questão de consistência e da qualidade dos ovos.