The International New York Times
28 de setembro de 2015

por Vanessa Barbara
Contributing Op-Ed Writer

Era como se um pica-pau tivesse confundido minha cabeça com uma árvore e decidido bicar freneticamente a área acima da têmpora. Ou como se um minúsculo soldado tivesse disparado uma metralhadora no meu crânio.

Não chegava a doer; era mais uma sensação esquisita de pressão no couro cabeludo. Na minha primeira sessão de Estimulação Magnética Transcraniana (EMT), dois meses atrás, tentei ignorar o fato de que uma máquina estava induzindo correntes magnéticas no meu cérebro, fingindo que, em vez disso, eu estava fazendo uma peculiar depilação a laser em cada um dos meus neurônios. (Definitivamente louca, você vê.)

A EMT é um procedimento que aplica pulsos magnéticos para estimular o córtex pré-frontal dorsolateral, na esperança de aliviar os sintomas da depressão. O médico posiciona a bobina eletromagnética num ponto específico da cabeça do paciente. Quando ativado, o dispositivo cria um campo magnético pulsado, similar ao produzido por uma máquina de ressonância magnética, que passa diretamente para o cérebro, alterando a corrente elétrica dos neurônios com vistas a incitar ou “resetar” o sistema regulador de humor.

Nas minhas sessões, contei dez segundos de um som rápido e agudo, tipo ra-ta-ta-ta, seguidos de vinte segundos de inatividade. A sequência era repetida por 30 minutos, totalizando cerca de 6 mil pulsos. (Nos Estados Unidos, diferentes parâmetros resultam em 3 mil pulsos por sessão.)

A técnica é recomendada para pacientes cuja depressão não respondeu a antidepressivos ou que não toleram os efeitos colaterais dos medicamentos. Surgiu como alternativa para a terapia eletroconvulsiva (ECT), anteriormente conhecida como eletrochoque, uma técnica altamente estigmatizada e mais invasiva que induz uma convulsão controlada no cérebro, exigindo, portanto, a anestesia geral em um ambiente hospitalar. Na ECT, pode haver complicações cardiovasculares e efeitos colaterais cognitivos como perda de memória. A EMT, por sua vez, é um procedimento não convulsivo que pode ser executado numa clínica ou consultório médico; os pacientes permanecem acordados e alertas durante toda a sessão. Além de dor de cabeça e um pequeno risco de convulsão, não há efeitos colaterais.

De acordo com o manual de práticas da Associação Americana de Psiquiatria, há um número substancial de estudos sobre a EMT, mas a maioria utilizou amostras pequenas ou parâmetros muito variáveis, com resultados inconsistentes. Pesquisas recentes revelaram “benefícios relativamente pequenos a moderados” da EMT sobre uma falsa estimulação. O Instituto Nacional de Saúde Mental também afirmou que os testes clínicos apresentaram “resultados contraditórios”. Em 2008, a agência regulatória americana (FDA) aprovou a técnica para uso em transtorno depressivo maior refratário, e logo se seguiram países como Austrália, Israel e Canadá. No Brasil, a EMT é alvo de pesquisas há dezesseis anos e foi aprovada em 2012 para o tratamento da depressão unipolar e bipolar.

Resultados animadores obtidos por alguns médicos locais atraíram a atenção do meu psiquiatra, que sugeriu que eu experimentasse a técnica. Há dez anos tento lidar com a depressão, tendo experimentado quatro tipos de terapia da fala, incluindo terapia cognitivo-comportamental por um ano e meio (foi divertido) e psicanálise lacaniana por nove meses (que eu odiei). Tentei fototerapia, meditação mindfulness, yoga e sapateado.

Quando finalmente cheguei ao médico da EMT, um especialista em estimulação magnética e elétrica, levava comigo uma longa lista de medicamentos psicotrópicos, todos tomados no passado sem nenhum (ou com pouco) efeito discernível. É um inventário que inclui 23 drogas diferentes em inúmeras classes como os antidepressivos tricíclicos (Tofranil, Anafranil), todo tipo de inibidor seletivo de receptação de neurotransmissores (Prozac, Zolof, Effexor, Lexapro, Luvox, Paxil, Wellbutrin, Cymbalta), um antidepressivo melatoninérgico, benzodiazepínicos, anxiolíticos, sedativos, hipnóticos, estimulantes, um estabilizador de humor e até anticonvulsivantes e antipsicóticos (embora eu não seja bipolar). Nesse ponto, fiquei oficialmente exausta e decidi parar com os remédios por um tempo. Desde então, continuei igual: triste, desanimada e ansiosa, com um índice de 31 na Escala de Depressão de Beck – uma depressão moderada a severa.

É preciso ter paciência para encarar meia hora de EMT cinco vezes por semana, por pelo menos três semanas seguidas. No início, as marteladas insistentes podem causar dor ou desconforto. Às vezes você sente um tremor nos olhos e uma contração no rosto ou na mandíbula, então é preciso pedir para o médico ajustar a angulação da bobina ou, coloquialmente, “fazer alguma coisa porque o meu rosto está esquisito”. Embora seja permitido ler ou ouvir música durante as sessões, escolhi ficar quieta e com os olhos abertos, supostamente meditando, mas na verdade torcendo para que o campo magnético de um Tesla me conferisse poderes de telepatia ou telecinese, ou de repente algum tipo de roteador embutido que me fornecesse uma conexão 3G verdadeiramente móvel.

O tratamento não é apenas demorado como também caro: no Brasil, a EMT custa aproximadamente 300 reais por sessão (US$85), com um custo total de 1,7 mil dólares para quatro semanas de terapia. (E eu ganho um salário mensal de 1,5 mil dólares). Nos Estados Unidos, de acordo com uma matéria na Scientific American, o custo de uma sessão é de 300 dólares. Como o tratamento completo geralmente requer de 20 a 30 sessões, a conta total pode variar de 6 a 9 mil dólares.

Até agora, fiz 19 sessões. Me senti um pouco melhor após a segunda semana, embora seja difícil determinar se a mudança era real ou mesmo se podia ser atribuída ao tratamento. A única coisa que reparei com certeza foi que fiquei mais atormentada por pensamentos de músicas repetitivas: por três sessões seguidas, não conseguia tirar da cabeça “Bamboleo”, dos Gipsy Kings; ela foi mais tarde substituída por “Mahna Mahna”, dos Muppets, e pela canção do “Trololo”, de Eduard Khil. Se cheguei a melhorar, foi por pouco tempo: lá pela terceira semana, as coisas voltaram à tristeza habitual, e por lá parecem continuar.

Na última sessão, pouco antes de acionar o pica-pau, meu médico disse que talvez eu devesse considerar fazer ECT. Pelos trinta minutos seguintes, enquanto meus olhos tremiam, meus pensamentos giraram repetidamente sobre o assunto: “Mahna Mahna/ Do doo be-do-do”.


Vanessa Barbara é cronista do jornal O Estado de São Paulo, editora do site literário A Hortaliça e colunista de opinião do INYT.

Este texto foi publicado em inglês no The International New York Times do dia 28 de setembro de 2015. Tradução da autora.