O Estado de S. Paulo – Caderno 2
15 de dezembro de 2014

por Vanessa Barbara

No início do livro “Information Doesn’t Want to be Free”, o escritor Cory Doctorow avisa: “Mesmo se eu estiver errado, prometo estar errado de uma forma interessante e bem informada”.

A obra, lançada em novembro, foi citada há duas semanas pela colunista do Estadão Lúcia Guimarães, que expôs uma das ideias principais do autor: quanto mais as editoras restringem o conteúdo das obras com a tecnologia DRM, mais as plataformas de venda controlam o mercado editorial. Sempre que alguém põe um cadeado em algo que lhe pertence e esconde a chave, esse cadeado não está lá para o seu benefício. Tais barreiras não almejam proteger os direitos autorais, mas os direitos dos intermediários.

Na introdução do livro, a cantora e compositora americana Amanda Palmer argumenta que bloquear conteúdo na internet faz tanto sentido quanto obrigar artistas de rua a usar mordaças, até que um transeunte interessado feche contrato com um intermediário que tenha permissão para liberar o artista por alguns minutos, após os quais ele volta a ser amordaçado. Dessa forma, o controle é retirado das mãos dos criadores e do público e é cedido completamente a terceiros.

Como escritor de ficção científica, Cory Doctorow entende que passamos a viver em um novo mundo, no qual as regras mudaram de forma permanente. Nunca foi tão fácil copiar filmes, livros, fotografias e compartilhá-los na rede. Nenhum bloqueio eletrônico poderá mudar isso – quanto mais mecanismos de limitação forem inventados, mais fortes serão os esforços para quebrá-los. As travas de proteção dos livros não são apenas tentativas desesperadas de regular o mercado, mas também um retrocesso: sob essa lógica, não poderiam existir bibliotecas nem a possibilidade de comprar um livro e emprestá-lo para outras pessoas.

Doctorow defende uma política regulatória que faça distinção entre a atividade de distribuição em escala industrial e as manifestações culturais. Diz que só é possível regular de forma justa o mercado se o fizermos sem pensar apenas no lucro das editoras e grandes estúdios. É essencial ampliar o acesso à informação e assegurar que os benefícios se estendam a todos, o que apenas acontecerá se a infraestrutura for livre e equânime.

A mesma posição é defendida pelo professor de direito Lawrence Lessig, idealizador do Creative Commons, um sistema de copyright alternativo que dá mais liberdade aos criadores para distribuir suas obras. Ele alega que a Constituição americana pensou o copyright tradicional “para promover o progresso da ciência e das artes úteis”, ou seja, tudo o que serviria a outros propósitos não se encaixaria na lei.

Diante desse novo cenário, resta dar ouvidos a um autor de histórias de ficção científica: daqui pra frente, tudo aquilo que for feito para manter os privilégios de um setor distributivo e trancar para fora a grande maioria está fadado a fracassar.