The International New York Times
4 de dezembro de 2014

Por Vanessa Barbara

No mês passado, mais de 142 mil brasileiros assinaram uma petição no site da Casa Branca. Eles cobram um posicionamento de Barack Obama quanto ao “avanço do comunismo bolivariano promovido pela administração de Dilma Rousseff”.

Ela acaba de ser reeleita com uma margem estreita de votos: 51,4% contra 48,5% para o candidato mais conservador, Aécio Neves. Os signatários da petição alegam que a eleição não foi completamente democrática, pois as urnas eletrônicas não seriam confiáveis. Eles também afirmam que os pobres votaram em Dilma apenas porque são altamente dependentes dos programas sociais do governo, como o Bolsa Família, um subsídio mensal criado para reduzir os índices de pobreza. Aqueles que exigem a intervenção de Obama temem que nosso país se torne uma nova Venezuela, e se consideram “os defensores da democracia e da liberdade no Brasil”, a despeito de um pequeno detalhe: alguns querem a ditadura militar de volta.

De acordo com uma pesquisa recente do Datafolha, em comparação ao ano passado, mais brasileiros se identificam com ideais de direita, como a diminuição das restrições para porte de arma. Embora 58% acreditem que a pobreza está ligada à falta de oportunidades, 37% insistem que a preguiça é a principal raiz do problema. Esse foi um ponto crucial do debate na última eleição: um lado defendia a meritocracia e a redução dos subsídios do governo; o outro, mais investimentos para diminuir a desigualdade.

A nova direita argumenta que o governo do PT é corrupto, em referência a uma série de escândalos de suborno e compra de votos ocorridos na última década. Por esse motivo pedem pelo impeachment de Dilma. Ela seria substituída pelo vice Michel Temer, de um partido de centro-direita chamado PMDB.

Há quem defenda que é preciso depor à força esse governo corrupto. Embora a ideia seja eventualmente devolver o poder aos civis e convocar novas eleições, essas pessoas falam nostalgicamente sobre a época da ditadura, quando, nas palavras de um deputado federal, “não se ensinava sobre homofobia e sexo seguro, se ensinava português e matemática”.

Ambos os grupos pró-impeachment organizaram protestos em São Paulo. Em 1 de novembro, 1,2 mil pessoas se reuniram no Masp; mais de 5 mil compareceram no segundo protesto, duas semanas depois. O mais recente, ocorrido no sábado passado, atraiu 500 manifestantes.

A corrupção não é o principal motivo de preocupação do grupo. Assim como nos anos 60, nossas classes média e alta temem a ameaça comunista. Alguns dizem que esta é a mesma atmosfera que levou ao golpe militar de março de 1964, quando um presidente de esquerda foi tachado de socialista, deposto e substituído por uma ditadura militar que durou mais de vinte anos.

Em uma das marchas, os participantes entoaram fanaticamente o Hino Nacional, alegando representar o único patriotismo de verdade. Havia até neonazistas no meio, e um skinhead portando um soco inglês. Transeuntes desavisados eram hostilizados só por vestirem roupas vermelhas. Um deles, um advogado de 33 anos, vestia uma camiseta com os rostos de Marx, Lênin, Fidel, Mao e Stálin bebendo alegremente. Alguém lhe gritou, de forma um tanto quanto nonsense: “Você está num país livre, vai pra Cuba”.

Em outro incidente, um político do PCB estava num bar usando uma camiseta com a foice e o martelo estampadas quando o protesto passou. Um homem começou a xingá-lo e perguntou se ele tinha recebido um sanduíche de mortadela do governo. “Paga um lanchinho de mortadela que ele já passa para o lado de cá”, disse o homem sarcasticamente, chamando o político de “comedor de mortadela”. (No Brasil, a mortadela é considerada uma comida de pobre.) Outro homem gritou: “Dá o seu apartamento pra mim, cara! Você não quer dividir as coisas?”.

A verdade é que o PT de Dilma está no poder há mais de onze anos e até agora falhou em estabelecer um mero vislumbre da temida ditadura do proletariado. Pelo contrário: o partido, outrora radical, tem se tornado cada vez mais centrista, adotando muitas das práticas de seus rivais neoliberais. Empregou políticas econômicas ortodoxas para manter a estabilidade do mercado; não chegou a estatizar coisa alguma e inclusive favoreceu a privatização e concessão de portos, estradas e aeroportos; entre os ministros nomeados para o ano que vem há uma lobista do agronegócio e inimiga dos ambientalistas, Katia Abreu, na pasta da Agricultura, e um banqueiro conservador, Joaquim Levy, no Ministério da Fazenda. Este ano, o lucro dos bancos privados aumentou 26,9%. De acordo com o ranking “Top 1.000 World Banks”, o Brasil está em sétimo lugar em lucros bancários.

Sendo assim, seria mais seguro acusar Dilma de centrista, em vez de bolchevique.

Apesar disso, muitos ainda temem o bicho-papão comunista e estão dispostos a tomar providências, seja participando de protestos de rua, recorrendo às Forças Armadas, organizando petições aos Estados Unidos ou mesmo mudando de país. “O povo brasileiro está descrente”, disse um ator durante um evento meses atrás. “Todos os dias eu vejo gente querendo se mudar para Miami.”

Se Obama não vai até eles, eles irão até Obama.


Este texto foi publicado em inglês no International New York Times do dia 4 de dezembro de 2014. Tradução da autora.