A nobre ciência de passar vergonha

Postado em: 31st março 2014 por Vanessa Barbara em Crônicas, Folha de S. Paulo, Revista
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Revista são paulo
30 de março de 2014

por Vanessa Barbara

O trem mal havia deixado a estação Armênia quando um sujeito no vagão informou em voz alta: “Estação Tiradentes”.

Os passageiros se voltaram para ver o que estava havendo. O sujeito continuava impávido, fitando o vazio, como se nada tivesse ocorrido. Alguns se entreolharam e uma mulher trocou de lugar. Em poucos segundos, o trem parou na estação. Três pessoas saíram, as portas se fecharam e a composição seguiu.

“Estação Luz”, anunciou o anônimo, e tornou a calar-se.

Dessa vez, houve menos olhares e alguns suspiros de enfado. Um senhor de meia-idade ergueu os olhos do jornal com uma expressão de vaga curiosidade. O sujeito permanecia impassível, embora transparecesse um leve desconforto. Quando o metrô passou de São Joaquim, porém, ele já bradava o nome das estações vindouras com gosto e desenvoltura, e ninguém mais fazia caso.

O “exercício das estações de metrô” foi prescrito originalmente pelo psicólogo Albert Ellis para seus pacientes nova-iorquinos. O objetivo era demonstrar, na prática, como lidamos de forma irracional até com experiências apenas vagamente incômodas, e como podemos encontrar benefícios surpreendentes quando as enfrentamos.

O desafio é simples: bradar em voz alta o nome da estação seguinte antes do anúncio nos alto-falantes. Só de pensar, a maioria das pessoas experimenta um visível mal-estar ou um medo paralisante do julgamento alheio. Mesmo ao descrever a cena acima, que é fictícia, senti um leve constrangimento.

Contudo, não há nada na tarefa que seja em si apavorante: dentro de um vagão de metrô ninguém se conhece, e todos costumam ignorar comportamentos esquisitos. “Quando há um sem-teto no vagão gritando que Pat Sajak é a segunda vinda do Cristo, um homem lendo uma enorme enciclopédia com inscrições douradas na lombada não chama tanto a atenção”, observou certa vez o jornalista A. J. Jacobs, que optou por ler a Britannica no trem.

Além disso, anunciar as estações até pode até ser considerado algo útil, ainda que francamente idiota. Então para que tanto drama?

“Nada é tão ruim quanto nós antecipamos. Algumas estações mais tarde, eu me levantei e saí do trem, sorrindo para mim mesmo, repleto de serenidade estoica”, declarou Oliver Burkeman, repórter britânico que desempenhou vitoriosamente a missão. “Ninguém no vagão se interessou por isso também.”

É que, em geral, o que de pior pode acontecer em qualquer ocasião é a nossa crença exagerada de como ela vai ser terrível. Só encarando as coisas é que notamos o tamanho dessa distorção.

Para a ciência, passar vergonha faz muito bem.

(Fica a sugestão para o fim de semana.)

  1. Rogerio disse:

    Vanessa,

    Outra experiencia muito interessante descrita neste artigo alguns anos atras: http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?res=9D05E4DF1130F937A2575AC0A9629C8B63&pagewanted=all

    Recomendo.