Guerra dos mundos

Postado em: 8th outubro 2013 por Vanessa Barbara em Reportagens
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Especial Seleta de Legumes
Outubro de 2013

Contatos imediatos entre ufólogos e acadêmicos na universidade mais sisuda do país

 por Vanessa Barbara 

ETs - Alienígenas na Academia

Espalhados pelos murais da faculdade, cartazes anunciavam a programação do dia: o ciclo de palestras “Alienígenas na Universidade: Perspectivas Acadêmicas sobre Busca de Vida Fora da Terra, Discos Voadores e Cultura Contemporânea”. O evento gratuito, promovido pelo Laboratório de Psicologia Anomalística e Processos Psicossociais, pretendia “dar visibilidade a pesquisas brasileiras relacionadas ao ícone extraterrestre”, segundo o organizador Leonardo Breno Martins, do IP-USP.

Cerca de trinta pessoas se acomodaram na sala 21 numa manhã gélida de março, ávidas para acatar a prova científica e incontestável da existência de homenzinhos verdes. Às 9h15 teve início o primeiro painel, no qual Fabio Rodrigues, graduado em ciências moleculares e pós-doutorando em química pela USP, falou das perspectivas das ciências “duras” (exatas e biológicas) quanto à busca de vida fora da Terra.

Numa apresentação clara e bem estruturada, o astrobiólogo discorreu sobre as principais proposições da ciência para defender ou refutar a existência de vida extraterrestre: o imperativo cósmico, a panspermia e o paradoxo de Fermi. Apresentou com orgulho a famosa equação de Drake, que fornece uma estimativa do número de civilizações em nossa galáxia com as quais teríamos chances de estabelecer contato. (Anote aí: N = R* x Fp x Ne x Fl x Fi x Fc x L.)

Fabio explicou que seu trabalho em laboratório procura “entender os efeitos de diferentes condições ambientais em microrganismos extremófilos e relacionar com possíveis bioassinaturas espectroscópicas, para detecção remota de vida e aplicação em astrobiologia”. Em resumo, ele passa os dias “torturando bactérias” em nome da ciência.

A sobriedade da apresentação de quase uma hora contrastou com a primeira pergunta. Indômita, uma senhora levantou a mão e disparou: “Não sei se a minha dúvida tem a ver com bioassinaturas [vestígios na atmosfera de um planeta provocados por atividade biológica], mas os crop circles, aqueles círculos nas plantações aqui na Terra, não seriam evidências de comunicação deles para conosco?”

Silêncio. O palestrante fez o possível para ser delicado na resposta, a despeito do comentário que veio logo em seguida: “Já foi praticamente comprovado que não são pessoas da Terra que fazem os círculos, é impossível com aquela rapidez e perfeição”, atestou uma participante, mencionando, à guisa de comprovação, o testemunho de uma ufóloga no programa do Amaury Jr. “Não é humano. É uma conclusão lógica”, exclamou.

  

As demais palestras seguiram esse roteiro: um jovem acadêmico dissertava sobre sua pesquisa e, na sequência, os ufólogos o contestavam em maior ou menor grau de combatividade. Depois do almoço, a facção pró-UFO se entrincheirou no lado direito da sala, defendendo suas convicções e censurando severamente a ausência de ufólogos no painel de convidados.

Um dos mais atacados foi o historiador Rodolfo Gauthier dos Santos, graduado pela Universidade Estadual de Campinas e doutorando pela USP. Ele mostrou os resultados de sua tese sobre a construção da imagem dos discos voadores pela indústria cultural e pela imprensa no pós-guerra, citou casos de fraude e relacionou os avistamentos de Objetos Voadores Não-Identificados (OVNIs) ao medo da bomba atômica. Choveram comentários indignados sobre a conspiração do governo, da mídia e da ciência para ocultar a verdade. Uma senhora falou em “cruzada para desmoralizar a ufologia”.

Acalmados os ânimos, foi a vez do antropólogo Daniel Pícaro, da Universidade Federal de São Carlos, que explicou como se dá a construção do conhecimento entre cientistas vs. ufólogos. Como bom antropólogo, ressaltou que ambos contam com um processo de pesquisa legítimo e autonômico, mas embasados em um discurso de negação da alteridade. “O pensamento místico tem uma racionalidade própria que é tão válida quanto a das ciências duras”, declarou. “Porque na verdade as ciências duras só são duras porque as não duras as denominam duras.” Gargalhadas. Nada como um cientista social para promover a harmonia entre os povos e acalmar loucos de palestra.

Na esteira dos antropólogos, Rafael Antunes Almeida, graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutorando pela Universidade de Brasília, falou empolgadamente sobre sua pesquisa de campo relativa a avistamentos de chupas-chupas na Amazônia. A intenção, explicou, não era racionalizar os fatos ou interpretá-los como alegorias, mas aceitá-los como eventos sociais que produziam consequências verificáveis. 

Muito aplaudido pelos ufólogos, Rafael citou o colega Eduardo Viveiros de Castro no contexto indígena: “Não se trata de acreditar que o porco-do-mato é um ser humano, o que importa é: que diferença faz para essa coletividade?”.

O último a falar foi Leonardo Martins, doutorando em psicologia social pela USP, que abordou os aspectos psicológicos dos contatos imediatos com alienígenas e ovnis. Ele discorreu sobre a personalidade dos abduzidos e o suposto poder comprobatório intrínseco da experiência direta. Durante pesquisa de campo numa comunidade rural de Minas Gerais, Leonardo participou de uma vigília e afirma ter visto luzes no céu.

O depoimento encorajou a turma do ocultismo, que prontamente desafiou os céticos a explicarem as pirâmides do Egito, construídas com “pedras de 11 metros cortadas milimetricamente. Primeiro que os antigos não tinham acesso a esse tipo de tecnologia e outra que, para guardar uma serra daquele tamanho, era necessário ter um espaço enorme”, alegou um rapaz.

Na plateia, um estudante de geologia argumentou que tais pedras saíram de uma mina de calcário ao sul do Cairo e que, embora seja difícil imaginar as técnicas utilizadas na construção, “daí a afirmar que houve interferência alienígena é um pulo muito grande”. Alguém retrucou dizendo que a ciência precisava de mais humildade e que os acadêmicos deviam se informar melhor.

Já André Luiz, ufólogo com dezoito anos de experiência, afirmou ter registros fotográficos de um satélite da Nasa mostrando dois ovnis em órbita solar, “o que é contra as leis da física”. Ele falava com um sotaque estranho, o que levantou dúvidas sobre sua origem terráquea.

Mesmo depois de encerrado o evento, a discussão acalorada continuou pelos corredores, mas teve seu fim quando um dos antropólogos sentenciou: “Estamos todos no mesmo barco. Quem trabalha com este tema na academia, mesmo na minha área, é visto como alienígena.”

Combinou-se então para 2014 uma nova edição de “Alienígenas na Universidade”, desta vez com a participação formal dos ufólogos e, quem sabe, de outros visitantes ainda mais improváveis.