O Hamlet dos quelônios

Postado em: 7th julho 2013 por Vanessa Barbara em Crônicas, Folha de S. Paulo

Folha de S.Paulo
Festa Literária Internacional de Paraty – Flip 2013
7 de julho de 2013

por Vanessa Barbara

Incógnito entre os escritores e intelectuais, Leonardo é o protagonista real de uma sórdida trama shakespeariana que envolve dissimulação, traição e vingança. O menino, de aproximadamente 11 anos, anda pelas ruas de Paraty vendendo trufas que “são mais gostosas do que parecem”.

Quem vê de longe não imagina a contundência de sua história, desenvolvida soberbamente num arco narrativo que durou cinco minutos.

Onisciente, ele sempre soube que sua antiga babá não era uma pessoa boa, embora o aparentasse. “Ela fritou a minha tartaruga”, acusa, “e eu soube disso porque instalei uma câmera”.

A ex-babá defendeu-se dizendo que o quelônio fugiu e que ela não conseguiu apanhá-lo, mas a desculpa era inverossímil e as imagens, incontestáveis. Como todo bom arquétipo de herói, Leonardo transformou o incidente em cruzada. “Já faz uns dois anos que me dedico a fazer da vida dela um inferno”, declara.

Demitida, a assassina de quelônios virou professora da turma dele. Botar cola na cadeira da docente e bagunçar os papéis da aula é o mínimo que os justiceiros mirins costumam praticar contra a vilã: “Um dia ela cochilou na aula e acordou de ponta-cabeça”, garante.

Outra passagem dramática desta Flip ocorreu na Tenda dos Autores, pouco antes da conferência de abertura sobre Graciliano Ramos. Seguranças barraram a entrada de uma sofrida cadela manca, que tinha um olhar literário e talvez fosse uma reencarnação da cachorra Baleia, de “Vidas Secas”.

Defensor dos aflitos, Leonardo não se pronunciou sobre o assunto. Especula-se que o dinheiro das trufas seja empregado em atividades clandestinas voltadas à reparação de crueldades aleatórias.

Leonardo é o herói trágico do ano.