É gente pra caramba

Postado em: 7th julho 2013 por Vanessa Barbara em Crônicas, Revista
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Folha de S.Paulo – revista sãopaulo
7 de julho de 2013

por Vanessa Barbara

“Sábado” me representa.

O filme de 1995, dirigido por Ugo Giorgetti, é até hoje um dos melhores retratos da diversidade paulistana, sobretudo em momentos de curiosidade e de grandes provações.

No longa, uma agência de publicidade vai ao Edifício das Américas, no Centro, para gravar um comercial de perfume. Um dos elevadores quebra, e a multidão começa a se aglomerar no saguão. Alguns dão palpite nas filmagens, outros aplaudem fervorosamente; surgem um vendedor de raspadinha e um homem-placa com os dizeres: “Compro ouro”.

Um grupo se ajoelha para pedir ao Todo-Poderoso que dê um jeito no elevador “para que as pessoas subam para os seus desígnios na casa do Senhor”. O pregador brada: “É a quinta vez que este elevador nos coloca à prova”.

Há um casal de sem-teto, um punk, uma quiromante, uma grã-fina com um cachorrinho, um zelador bêbado e um pessoal tocando baião.

Presa no elevador, uma publicitária de classe média se vê obrigada a dividir o espaço com um mano pançudo de gorrinho, dois funcionários do IML (Instituto Médico Legal) e um cadáver, singelamente chamado de “podrão”.

Enquanto isso, na casa de máquinas, dois “técnicos” (o Zecão e o Bahia) tentam consertar o mecanismo, ligando aleatoriamente o 8D no N19. “Cuidado que é força trísica”, dizem.

Quando o problema elétrico se resolve, os populares aplaudem e alguém comenta: “O que não é a instrução, hein?”.

Em certo momento do filme, um dos papa-defuntos observa, referindo-se à publicitária: “Quando é que ela ia se dirigir para a gente na rua? Mas viu como é que é a vida? De repente ela colocou a gente aqui junto”.

Foi essa buliçosa mistura que testemunhei na Virada Cultural e nas manifestações que tomaram a cidade nas últimas semanas. São Paulo como um gigantesco elevador pifado, em que uns reclamam que queriam estar no terraço “comendo umas carne”, e outros já se habituaram a ficar de pé ao lado do podrão.

Na Virada Cultural, vi senhores de sobretudo esperando um concerto de jazz enquanto assistiam ao final do show do rapper Rappin’ Hood.

Havia ambulantes oferecendo drinques na bandeja como se estivessem numa festa chique; outros cobravam R$ 10 pela dose de uísque ou faziam churrasco num fogareiro. O “tio do guarda-chuva” e o comerciante autônomo de bebidas são os microempreendedores mais presentes nos congraçamentos populares.

Durante os protestos, vi um menino com o cartaz “vendo Palio 98” e algumas patricinhas parando no meio da passeata para tirar fotos de si mesmas fazendo biquinho.

Entoado por milhares de concidadãos, o melhor grito de guerra –em adaptação livre para omitir o palavrão — não rimava e nem tinha propósito: “O povo/ Unido/ É gente pra caramba”.