Entrevista da semana para o Portal Imprensa
2 de abril de 2012

por Ana Ignacio

O personagem principal é uma fila enorme. A partir disso, Vanessa Barbara desenvolveu um dos contos para o livro recém-lançado “São Paulo 1971-2011”. Luiz Ruffato, Ignácio de Loyola Brandão e Tony Bellotto também desenvolveram narrativas para a obra. O tema era livre. A única exigência é que a história se passasse na cidade de São Paulo. “Demorei um pouco pra pensar sobre o que escreveria, mas depois que a ideia surgiu o resto veio rápido, sobretudo o modo de contar, na forma de relato jornalístico”, diz Vanessa.

Além de “São Paulo 1971-2011”, a jornalista é autora do livrorreportagem “O Livro Amarelo do Terminal” e do infantil “Endrigo, o Escavador de Umbigo” e co-autora do romance “O verão do Chibo”. Colaboradora da revista Piauí, colunista da Folha de S.Paulo, tradutora da Companhia das Letras e criadora da “Hortaliça”, um “almanaque eletrônico de gratuidades”, como define.O ofício de Vanessa é escrever. “Me formei em jornalismo em 2003, mas descobri que não gostava de ser repórter e já comecei procurando outras opções. Nesse campo da escrita, são inúmeras”. Começou escrevendo para um site publicitário, tornou-se revisora e passou a atuar na preparação de originais para a Companhia das Letras.

Dividindo-se entre todas essas atividades, Vanessa gosta da liberdade profissional que conquistou. “Só tenho tanta liberdade para trabalhar com coisas diferentes porque não tenho um emprego fixo em lugar nenhum. Se, por um lado, isso é libertador, é terrível porque não se tem estabilidade financeira, férias remuneradas, benefícios, nada. Você acaba tendo que cuidar de si mesma, viver de forma bem mandaquiense e se conformar com isso”.

Sempre bem humorada, Vanessa falou à IMPRENSA sobre a criação de “A Hortaliça”, mídia, mercado de trabalho, presunção de jornalistas e projetos futuros.

 

IMPRENSA – Como surgiu a ideia para a criação de “A Hortaliça”? 

Vanessa Barbara – Foi há dez anos. Eu estava de férias da faculdade, não tinha o que fazer e decidi compilar num almanaque uma série de besteiras que havia anotado de leituras que fiz e coisas que vi. Enviei para algumas dezenas de amigos e essa foi a edição número um. O almanaque foi crescendo e hoje está na octogésima oitava, com 700 infelizes assinantes.

Como foi o processo de produção de seu conto para o livro recém-lançado “São Paulo 1971-2011”?

Meu conto é sobre uma fila gigantesca que começa a se formar no bairro do Mandaqui e vai tomando conta da cidade. As pessoas vão aderindo ao organismo humano mesmo sem saberem para que serve. A única diretriz fornecida pelo editor do livro foi que escrevessemos ficções sobre a cidade baseadas em determinadas décadas, e eu fiquei com a de 2001-2011. Demorei um pouco para pensar sobre o que escreveria, mas depois que a ideia surgiu o resto veio rápido, sobretudo o modo de contar, na forma de relato jornalístico. Até o meu irmão começou a ler e achou que era verdade.

Como você avalia o mercado de jornalismo hoje?

Me parece que trabalho não falta – o que faltam é condições de trabalho. A grande maioria dos meus amigos que trabalha em redação ganha um salário ridiculamente baixo, não tem benefícios nem carteira assinada, passa mais de dez horas por dia na redação e se desdobra em inúmeras funções por falta de funcionários. Só no jornalismo existe essa aberração chamada “frila fixo”, que é o sujeito que trabalha de manhã até a noite, todos os dias, mas por algum motivo místico não é considerado funcionário do jornal e portanto não tem direito a nada. Também acho que há cada vez menos espaço para escrever e os jornalistas agora têm que possuir experiência em haicai.

Na Folha de S.Paulo seus textos são sobre televisão. Qual a sua relação com essa mídia?

Há pouquíssimos programas de qualidade na TV aberta, mas gosto muito de seriados, documentários e atrações pitorescas ou experimentais, como essas da TV comunitária, programas independentes, leilão de muares etc. De resto, tudo é muito padronizado e monótono, e a maioria trata o espectador como um tolo.

A revista Piauí valoriza o texto e destaca boas histórias. Qual a importância de uma publicação com esse formato hoje? 

Pelo que vejo nos jornais e revistas, o texto longo e a grande reportagem são cada vez mais raros, e sinto muita falta disso enquanto leitora. Acho estranho que se limitem os caracteres de um texto mesmo no meio eletrônico, onde há espaço infinito para escrever. Um pouco de verborragia às vezes é saudável.

Você disse em uma entrevista que não gosta “da presunção, do hábito de se levar muito a sério”. Acredita que jornalistas e escritores se preocupam muito com essa imagem de “sérios”? 

Uma das coisas que acho mais ridículas nos jornalistas é a presunção. Andar de peito estufado e se achar importantíssimo é um erro em qualquer profissão, e no jornalismo parece que você precisa disso para ser respeitado. Isso é triste, porque só se conseguem boas reportagens com paciência e humildade. Na televisão, isso atinge níveis absurdos – o sujeito chega, enfia a câmera no nariz da pessoa e pergunta como ele se sente tendo perdido a família inteira numa enchente. Essa prepotência pode descambar para o menosprezo do leitor/espectador sob a forma de gracinhas inócuas, na tentativa de “cativar” a audiência. Isso é o telejornalismo hoje: uma mistura de pompa jornalística e gracinhas variadas.

Qual a sua relação com o humor e a importância dele na literatura e no jornalismo?

O humor deve permear tudo, não na forma de piada mas no jeito de olhar as coisas.

Já tem alguma ideia para um novo livro? 

Estou escrevendo um romance há algum tempo, mas é segredo. Ele fala sobre alfaces.