Onde a mobilete tem valor

Postado em: 10th abril 2011 por Vanessa Barbara em Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Tendo nascido e crescido na zona norte, foi com ardor patriótico que assisti ao programa “Manos e Minas” (Cultura, sáb. às 18h) do último dia 2.

A atração, voltada à periferia, é repleta de rap, hip-hop e grafite. Desta vez, o quadro “Suburbano Convicto” mostrou o bairro do Lauzane, onde “boa parte da vida cultural da quebrada fica na mão de dois caras: o Rashid e o Projota”.

Partindo da praça Ultramarino, onde os nativos jogam dominó e o jardineiro Pedro comanda as samambaias, os rappers levam o repórter “pra trocar uma ideia lá na laje”.

Tudo começou quando MC Rashid quis mostrar à avó as letras e batidas de sua música, e junto com o vizinho Projota fundou o “Rap no Lauzane”, um evento no portão de casa.

“Na primeira vez que ganhei um dinheiro, cheguei e falei: ‘Aí, vó, hoje vai ter pizza’”. A referida senhora é a musa de uma das canções de Rashid, na qual ele expressa sua gratidão e pede desculpas pelos palavrões.

O “Rap do Ônibus” fala de duas linhas antológicas, o 1744 e 178L. Diz o refrão: “Ô cobrador, deixa os menino passar/ Vou sofrer uma hora e meia e ainda tenho que pagar/ Libera aê, porque tá caro pra caraio”.

Como um nativo típico, desses que levam meia hora para aportar no metrô, ele diz que “dá mais trabalho chegar no trabalho do que trabalhar”.

Foi quando fiquei de pé para entoar, mão no peito, o rap “Lauzane”, que doravante empregarei como hino. No videoclipe, a avó de Rashid aparece ao fundo, com sua blusinha de lã, enquanto a coletividade canta: “Se num lugar me sinto bem, é lá/ Tô tranquilão com meus irmãos no Lauzane”.

A canção fala alto ao orgulho cívico: “Só quem vem de 8L pendurado/ O instinto pede pra descer na porta do mercado”. E completa: “Sou mais um com os pés aqui e a pele de Angola/ Atravesso a Valorbe com as mão cheias de sacola”.

Está tudo lá: o batuque na lata de cortante, os moleques de bermuda tactel (“dois números a mais”) e a proporção de 500 corinthianos para meia dúzia de santistas.

Fala-se também do status da mobilete num bairro de ladeiras (“razão da preparação física do time do Pedreira”). E, por fim: “Quem ama o seu lugar como eu amo, tio, enxerga uma estrela a mais na bandeira do Brasil”.