Momices televisivas

Postado em: 7th março 2011 por Vanessa Barbara em Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Há que se aplaudir a coragem dos que passam a madrugada comentando desfiles de Carnaval na TV, mesmo diante do risco de virarem legumes. Todavia, isso não os isenta do escrutínio dos críticos, que avaliam suas performances sob os mesmos critérios da apuração do Carnaval.

No sábado, enquanto a bateria de trocadilhos infames abria com um comentário de Cléber Machado – “O povo está esperando a Nenê, que já não é mais nenhuma criança” – , o quesito evolução do raciocínio seguia mediano (nota 6,5).

O conjunto também não se destaca. Cléber discorre sobre a salinidade do mar, ao que Mariana Godoy emenda: “E assim surgiu a feijoada”. Harmonia: zero.

O critério da fantasia tem seu ápice (nota 8,5) no desfile da Águia de Ouro, quando uma repórter de campo anuncia: “Estou aqui, em meio aos homens pré-históricos…”. O ponto alto é um carro alegórico que festeja a Inquisição, com direito a verdugos sacolejando e um Torquemada feliz.

Liderando a comissão de frente, Mariana lê o material de apresentação da Mocidade Alegre: “A intenção da escola é a seguinte: aquele que embarcar na ilusão vai embarcar num carrossel que vai levar à ilusão”. Pausa. Para mudar de assunto, acrescenta: “A criança que você foi ainda está dentro de você”.

A única nota dez vai para o Mestre-Sala Cléber Machado, que, encorajado pelo tropicão de sua Porta-Bandeira, diz: “Tão importantes quanto as cartas são as cartolas, de onde saem os coelhos”.

Às 4h25, o cansaço se instala. Cléber é lacônico e mal consegue apresentar a Ala da Pedofilia na X-9. Também troca “telespectador” por “torcedor” e, até então comedido, comete um ato falho: “Cris Rabelo, parabéns pela sua comissão de frente”. “Da X-9”, completa.

Daí pra frente liberou geral: Chico Pinheiro graceja com as repórteres de campo e declara, a respeito do chapéu de uma passista: “Quem é que olha para a cabeça com um corpo desses?”. Faz-se uma pausa, em que provavelmente a mulher de Chico entrou com os papéis do divórcio. “Digam que não me arrependo de nada”, ele entoaria, em rede nacional.

Mas não. Eram 5h15 e a dupla de locutores decidiu que valia a pena enumerar os sete emirados árabes, a título de ilustração. Nota final: 6,6.

[especial para o caderno “Cotidiano”]