O cinismo de Charlie

Postado em: 6th março 2011 por Vanessa Barbara em Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
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Folha de S. Paulo / Ilustrada
6 de março de 2011

por Vanessa Barbara

“Não sou um completo inútil, posso servir de mau exemplo”, diz Charlie Harper, o protagonista de “Two and a Half Men”.

Nas últimas semanas, o ator Charlie Sheen tem seguido à risca a filosofia de seu personagem, um mulherengo alcoólatra que “ganha uma fortuna trabalhando pouco, dorme com mulheres lindas que não ligam para os seus sentimentos e, às vezes, durante o dia, sem nenhum motivo, prepara um monte de margaritas e tira um cochilo ao sol”.

Na série, o bon-vivant Charlie se vê obrigado a acolher o irmão Alan, um quiroprata recém-divorciado, e o sobrinho Jake, de dez anos.

A atração, em sua oitava temporada, era campeã de audiência nos EUA, com uma média de 15 milhões de espectadores por semana. Sheen ganhava o maior salário da tevê: 1,25 milhões de dólares por episódio.

O sucesso esteve relacionado, desde o início, às tiradas cínicas do protagonista, alter ego do próprio ator. Charlie Harper é imaturo e adora refugiar-se em bares onde “as garrafas são cheias e as mulheres, vazias”. Charlie Sheen, idem.

Usuário confesso de crack e cocaína, ele trocou na semana passada o programa de reabilitação por uma viagem às Bahamas na companhia de três loiras: a ex-mulher, Brooke Mueller, que outrora o denunciara por agressão, e duas atrizes pornô de 24 anos.

O Charlie ficcional tem um histórico parecido. Ao levar um fora da namorada, diz não saber bem o motivo: pode ter sido seu alcoolismo, sua compulsão por apostas ou o fato de ter dormido com a melhor amiga dela. “Mas me recuperei e fui morar com uma stripper viciada. Só que ela já era casada. Então achei que devia dar um tempo com os namoros e sair só com prostitutas.”

Cansado de tanto cinismo, o criador da série Chuck Lorre divulgou um manifesto levemente constrangedor logo após os créditos do último episódio, o que mais tarde deu origem à declaração ofensiva de Sheen e ao fim da série.

Lorre disse que passa fio dental todas as noites e faz radiografias periódicas do tórax. “Eu não bebo. Não fumo. Não uso drogas. Não pratico sexo selvagem com estranhos. Se Sheen viver mais do que eu, ficarei muito puto.”

Ao que tudo indica, Charlie Sheen já tem um lugar reservado no inferno. “Ótimo”, diria Charlie Harper. “Odeio ter que pegar fila.”