Em 1o de janeiro, às 7 horas da manhã, 10 mil senhores de meia-idade de shorts dry-fit e meias de cano alto ocuparam as pistas de caminhada do parque do Ibirapuera, em São Paulo. Não constituíam nenhuma manifestação e nem comemoravam o Dia da Paz Universal, embora alguns tenham se agrupado espontaneamente para puxar um bom alongamento de panturrilha – ao que tudo indica, aproveitavam a ocasião para fazer novos amigos. Foi ali que tudo começou: nas semanas que se seguiram, por toda parte, cidadãos bem-intencionados lograram êxito em cumprir suas promessas de Ano-Novo, outrora relegadas ao descaso e atribuídas exclusivamente à ingestão descontrolada de sidra. Assim, 200 milhões de brasileiros passaram a caminhar todos os dias, regular o intestino com iogurte, juntar dinheiro para o futuro e mascar chicletes de nicotina, causando a falência imediata das redes de frango frito e de hambúrguer de minhoca. A exceção foram os botecos que, antenados com os novos tempos, converteram-se em academias de ginástica e passaram a servir só suco de banana.

A indústria do tabaco persistiu por uns quinze dias, mas acabou sucumbindo à coqueluche da vida saudável e anunciou a bancarrota, antecipando seus propósitos de investir pesadamente em charutos de uva. Propósitos, aliás, firmados pelo próprio dr. Philip Morris durante a ceia de revéillon. Outro império que se extinguiu foi o dos programas inúteis de TV, que não se adequavam às novas metas de otimização do tempo livre em atividades edificantes, ao passo que, no mesmo período, as editoras de autores russos e filósofos prosperaram quase 300% em relação ao ano anterior. Também por esse motivo, os três únicos tradutores de literatura húngara do país enriqueceram da noite para o dia – embora a prerrogativa não fosse durar muito tempo, pois dezenas de estudantes tomaram como resolução de fim de ano aprender o velho idioma urálico. As lojas de conveniência 24 horas sumiram do mapa, já que toda a população passou a dormir cedo, lá pelas 9 da noite, depois de ler em família umas duas ou três passagens boas de Parmênides e amar intensamente os parentes próximos.

Em fevereiro, começaram os problemas. As pessoas que decidiram passar menos tempo na internet colidiram de frente com as que queriam arrumar uma namorada pelo MSN, inviabilizando sonhos e anulando a possibilidade de sucesso de ambas as partes. Os maridos que se comprometeram a passar mais tempo com as esposas não contavam com a promessa das contrapartes de se dedicarem mais ao trabalho voluntário. Os que se demitiram de empregos insuportáveis se depararam com desculpas dos ex-chefes, estes determinados a serem pessoas melhores e fazerem as pazes com os velhos inimigos. Diante da frustração de terem abandonado um trabalho que se tornara agora mais agradável, passaram a frequentar cursos de controle da raiva, o que não adiantou coisíssima nenhuma porque suas vagas já haviam sido tomadas por gente que, na virada, decidiu arrumar um emprego sem falta no ano que vem.

Os primeiros a abandonar seus votos foram os filhos caçulas em geral, diante de uma mãe determinada a emagrecer e um pai que havia prometido levar a esposa com mais frequência para jantar. Ficaram confusos e, na dúvida, voltaram a maltratar o cachorro. Depois seguiram-se os funcionários públicos, os jogadores de sinuca, as socialites, e, quando José Sarney anunciou que desistiria de escrever, tudo desmoronou.

Antes mesmo de chegar o Carnaval, o dr. Philip Morris abandonou o negócio dos charutos de uva e comemorou a volta da gloriosa indústria dos cigarros, brindando com um chorumento porco-pizza e um porre de sidra, das mais baratas.