A moça do Livro Amarelo

Postado em: 7th outubro 2009 por Vanessa Barbara em Clipping
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Boteco Sujo
7 de outubro de 2009

por  Fausto Salvadori Filho

 

Admiração é para pessoas dignas e respeitáveis. Gente desqualificada como eu tem mesmo é inveja. E uma figura que eu invejo é Vanessa Bárbara. Não porque ela seja escritora premiada com o Jabuti, colunista do Estadão e repórter da Piauí, tudo isso aos 27 anos. O que eu invejo mesmo é o texto da mina.

O Gerador Automático de Reportagens aí de cima (clique para ler inteiro, vale a pena), uma tiração de sarro com os jornalistas que escrevem sempre as mesmas matérias sobre o terminal Tietê, é um dos muitos achados d’O Livro Amarelo do Terminal, que na semana passada levou um merecido Jabuti na categoria de melhor reportagem. Isso é o livro: uma fuga de tudo o que seja fórmula ou lugar-comum. Vanessa sempre escolhe as formas mais inusitadas para narrar esse perfil sobre a rodoviária do Tietê e as figuras que circulam por ali. No texto dela, o terminal é uma Macondo de histórias fascinantes e personagens surpreendentes.

— Sempre procurei escrever minhas matérias do jeito mais diferente — ouvi Vanessa contar numa palestra sobre “jornalsmo literário” na Livraria da Vila. (A maioria das redações e faculdades de jornalismo busca exatamente o contrário, obrigando profissionais e estudantes a encaixar as informações sempre dentro dos mesmos escaninhos textuais, mas isso é para outro post…).

E Vanessa não cai nas armadilhas que costumam atacar muitos que se metem a fazer o tal do “jornalismo literário”. Acontece que o texto criativo de Vanessa não é uma roupinha frufru para esconder a apuração deficiente. É parte integrante (não pode ser vendida separadamente) dos sentidos da autora: um olhar para as crianças que brincam diante de pais sonolentos nas cadeiras do terminal; um par de ouvidos para as histórias de carnes inchadas de vermes carregadas em malas e velas acesas dentro de gavetas para o cumprimento de promessas.

E o livro também não cai na superficialidade, outro pecado geralmente associado ao jornalismo literário mal compreendido. Não é só uma crônica esticada sobre o Tietê, fruto de alguns passeios pelo lugar e meia dúzia de entrevistas com a galera. O capítulo mais extenso é uma longa história sobre a construção do terminal, baseada em centenas de matérias de jornais e documentos oficiais empoeirados. Vanessa transforma essa narrativa histórica num conto surrealista cheio de humor e lances inusitados, entremeado por trechos de canções do período.

Eu invejo Vanessa Bárbara, mesmo ela tendo dois nomes e nenhum sobrenome. Aliás, se sobrenome tivesse, poderia ser Talese. Ou mesmo Eisner.