“Foi demais para Kudno Mojesic”, anunciou o jornal Sunday Mirror. Em janeiro de 1976, em Belgrado, Kudno foi preso por atacar os automóveis da rua com um machado, aos berros: “Acabem com todos os carros, eles são obras do diabo!”. Daí pra frente, a situação só piorou: hoje os automóveis são a forma de vida dominante no planeta Terra, segundo O Guia do mochileiro das galáxias, e não há nada que o diligente Kudno possa fazer.

Em São Paulo, a frota de automóveis particulares chegou a 4,76 milhões, com uma taxa de ocupação de uma pessoa e meia por veículo. A cada mês, milhares de novos carros entram em circulação. Toda essa multidão, atordoada, decide dispor de seu direito de ir e vir geralmente ao mesmo tempo, provocando congestionamentos que já chegaram a 266 quilômetros, em maio de 2008 – a distância equivale a 3,325 milhões de potes de Yakult. Já a frota de ônibus não chega a 15 mil unidades, a oferta de linhas do metrô é insuficiente, andar de bicicleta é para gente ousada e os pedestres não fariam feio numa violenta partida de queimada.

A vida de quem não tem carro oscila entre longos trechos a pé e o “vai descer no próximo?”, num ônibus lotado que não avança há dez minutos. É verdade que às vezes grudamos a cara no vidro e damos bananas aos motoristas de carro, ao passarmos velozmente num corredor exclusivo. Mas isso é raro, e ninguém pode nos culpar. A média de tempo gasto com o deslocamento diário é de 33 minutos nos veículos individuais e 69 no transporte coletivo. Há casos em que o tempo de viagem no coletivo triplica, o que pode ficar realmente incômodo se você estiver de pé num 118C ­– Jardim Pery Alto, com uma sacola na mão direita e um vizinho decididamente tísico.

É por isso que, na esteira de Kudno, alguns tentam reconquistar as ruas. “Não estamos atrapalhando o tráfego, nós SOMOS o tráfego”, diz um movimento antiautomóveis. Há gente que veste os carros de porco para protestar, como ocorreu em Frankfurt, em 2007. Outros pedalam pelados pela avenida Paulista. Há ainda quem acople estruturas de arame em torno das bicicletas, ocupando o mesmo espaço de um carro. E há um alemão chamado Michael Hartmann, que se denomina o primeiro atropelador de automóveis do mundo. Ele sai pisando nas máquinas estacionadas na calçada, recusando-se a contornar os carros que estão no caminho. Levado aos tribunais, em 1995, foi sentenciado a pagar uma multa, porque, segundo o juiz, poderia desviar dos carros pela direita ou pela esquerda.

Foi então que, para orgulho de Kudno, ele resolveu andar no meio da rua e comer um pão em plena avenida, num ponto onde os automóveis também pudessem contorná-lo. Naturalmente, não foi bem recebido. “Não sou popular em Munique”, confessou, antes de ser internado num hospital psiquiátrico.