LITERATURA

O começo do livro é engraçado, cheio de brincadeiras do tipo perco-o-leitor-mas-não-perco-a-piada

Le Monde Diplomatique
23 de novembro de 2008

por Fábio Fernandes

Confesso: o que me atraiu primeiro em O Livro Amarelo do Terminal (Editora Cosac Naify), de Vanessa Bárbara, foi a capa. Fascinado por livros alterados e capas com ênfase em tipografia, foi impossível para mim não parar diante do livro de capa amarelo-canário recoberta por figuras e fac-símiles de passagens antigas e recortes de jornal. Ao folhear o livro, mais uma surpresa agradável: páginas amarelas também, alternando texto original com mais recortes de revistas e outras brincadeiras tipográficas.

Ora, bibliófilo que se preza julga o livro pela capa sim, claro (o velho ditado é, parafraseando Mark Twain, um pouco exagerado), mas não deixa de prestar atenção ao conteúdo. E foi o que fiz. Não me arrependi: O Livro Amarelo do Terminal é uma lição. Não só de jornalismo (o livro é a monografia de conclusão de curso de Jornalismo da autora), mas também de vida. Vanessa Bárbara passou dias (ou semanas, ou meses, isso não fica claro e também não importa muito), em 2003, no Terminal Rodoviário do Tietê, em São Paulo, não só para conhecer melhor o funcionamento da rodoviária, como também para registrar o dia-a-dia das pessoas que passam por ali e das que trabalham no terminal.

Essa atitude meio flâneur, meio psicóloga, meio jornalista (três meios? A matemática nessas horas vira transfinita, ou vira multidões, como dizia Walt Whitman) é interessantíssima. Vanessa Bárbara dá uma de Georges Perec, o genial escritor francês do grupo OuLiPo, que gostava de fazer experimentos desse tipo: consta que um de seus projetos, nunca executado, consistia em ficar sentado num banco de praça, em Paris, por um período não inferior a uma semana, para ver as pessoas que passavam e, munido de um gravador, registrar os fragmentos de diálogos que entrassem no raio de ação do aparelho. Perec, que levava as regras matemático-Dada que criava muito a sério, acabou não fazendo isso, mas Vanessa não se levou tanto a sério (no bom sentido), e foi devagar com o andor. E nos mostrou os santos de barro (e no entanto tão verdadeiros) que habitam o terminal.

Todos nós temos histórias para contar

O começo do livro é engraçado, cheio de brincadeiras do tipo perco-o-leitor-mas-não-perco-a-piada. Pode ter perdido um leitor que se leve mais a sério, mas quem teve o desprendimento de continuar (e creio que a maioria esmagadora dos leitores fizeram isso, porque o livro é bem gostoso de ler, quando você vê já está no meio do livro) encontrou, como nas tiras do Calvin, por exemplo, momentos inesperadamente comoventes. Como a descrição alucinada e fictícia que ela faz de “Álvaro”, o locutor do terminal. Ou a breve história da Dona Rosa, uma velhinha que acredita que a Marinha Britânica vai aparecer lá na rodoviária para buscá-la (para quê, jamais se soube). Ou o otimismo do jovem Kenedy, dono de um armarinho no interior de Minas e que uma vez por mês vai a São Paulo fazer compras na 25 de Março.

O Livro Amarelo do Terminal nos faz rir, chorar e às vezes até ficar indignados (como, por exemplo, nas partes em que descreve a convoluta e kafkiana burocracia do terminal, ou na única parte do livro que possui páginas de cor branca, que reproduz matérias de jornal sobre todo o processo de construção e de reforma da rodoviária). As histórias de Rosângela, de Raimunda, de Augusta e de Marcos, entre tantos outros, dariam cada uma um livro, e dos bons. Porque todos nós temos histórias para contar, como já disse Dario Fo. Todos nós.