Uma noite com: O mágico zen

Postado em: 1st agosto 2008 por Vanessa Barbara em Crônicas, Reportagens, Revista Bravo
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Num espetáculo simples e delicado, Célio Amino usa o ilusionismo para transmitir ensinamentos de um célebre monge japonês

Revista Bravo, 08/2008
http://bravonline.abril.com.br/materia/uma-noite-com-o-magico-zen-2

por Vanessa Barbara
foto: Alessandro Ruano
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Célio Amino em ação no Tucarena, de São Paulo. ”A mágica é apenas um pálido reflexo do mistério da existência”

As luzes se acendem e um sujeito tranqüilo, de óculos e paletó preto, entra sozinho no palco do Tucarena, em São Paulo. Alguns caixotes, uma mesa, um chapéu, uma ampulheta, uma vassoura de piaçava, velas, uma caixa de fósforos, várias pedras e um leque espalham-se em cena. O homem, neto de japoneses formado em física na USP, carrega um bonsai e discorre, pausada e solenemente: “Quando eu era pequeno, me pediram para cuidar deste bonsai. Foi na mesma época em que comecei a fazer mágica. Não sei se vocês sabem, mas um bonsai costuma viver muito mais tempo do que nós…”.

É assim, à maneira de um sábio oriental, que Célio Amino conduz Além da Mágica, delicado show de ilusionismo que fica em cartaz até 17/8 e não exibe belas assistentes de palco nem efeitos especiais com laser. Durante uma hora, o artista de 38 anos reconstitui a trajetória fictícia de um mágico do Japão. À medida que relembra seu aprendizado na infância, o personagem relata conversas que teve com mestres zen. Dezessete truques – como os de adivinhação de cartas ou levitação de objetos – permeiam o espetáculo. Alguns ajudam a contar a história do mágico. Outros servem para ilustrar a filosofia expressa pelo narrador: “A mágica é apenas um pálido reflexo do mistério da existência”, diz Célio, transformando uma dobradura de papel numa rosa.

O texto do show se baseia nos ensinamentos de Shunryu Suzuki, monge japonês que morreu em 1971 e é considerado descendente espiritual de Dogen Zenji, um importante mestre zen do século 13.

Nem por isso Além da Mágica soa como um livro de auto-ajuda ou algo do gênero. Quando transita pelo terreno filosófico, Célio procura evitar o tom edificante. Vai emendando uma reflexão à outra sem pausas finais, como que para eliminar os aplausos fáceis. Seu método consiste em retirar a atenção do que é lógico e concentrá-la no que é mágico. Ainda assim, sempre que conclui um truque, o artista se mostra um tanto desconcertado. “Ao fazer apresentações como esta”, explica para a platéia, “me sinto como uma vela que produz muita fumaça, e às vezes me perco do essencial. Peço desculpas.”

A certa altura, narra a história de um dos grandes mágicos da tradição japonesa, que, quando garoto, foi para a escola e, no primeiro dia de aula, aprendeu os números. Durante aquele dia, ficou desenhando apenas o número 1. A professora, pensando que ele tivesse problemas, pediu que voltasse para a sua casa e só retornasse depois de ter aprendido a desenhar o 1. “Vocês acreditem ou não, ao longo de anos foi isso que ele fez”, afirma Célio. “De dia, o menino ajudava o pai na lavoura e, de noite, desenhava o número 1. Após muito tempo, ele voltou para a escola e desenhou no muro um número 1 tão perfeito que, nesse dia, o muro inteiro desmoronou.”

No fim do espetáculo, o mágico repete a façanha do garoto e faz uma mesa despencar com estrondo. Depois, agradece a presença de todos e avisa que, em poucos instantes, se juntará ao público para conversar no saguão. Simples assim.