Das revoluções de quitina

Postado em: 4th julho 2003 por Vanessa Barbara em Traduções
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4 de julho de 2003

Contra as revoluções de quitina,nada melhor do que a incoerência.

por Julio Cortázar*
Trad. Vanessa Barbara

(…) Desgraçadamente, as revoluções parecem tolerar uma tendência à estratificação (ou quitinosidade, para prosseguir com a metáfora). Em suas formas iniciais, essas revoluções adotaram formas dinâmicas, formas lúdicas, formas nas quais o passo adiante, o salto adiante, essa inversão de todos os valores que implica uma revolução, aconteciam num campo móvel, fluido e aberto à imaginação, à invenção e a seus desdobramentos naturais, a poesia, o teatro, o cinema e a literatura. Mas, com uma freqüência bastante desesperadora, depois dessa primeira etapa as revoluções se institucionalizam, começam a encher-se de quitina, vão passando à condição de coleópteros.

Bom, eu trato de lutar contra isso, esse é o meu compromisso com as revoluções, com a Revolução, para dizê-lo em geral. Trato de lutar por todos os meios, e sobretudo com meios lúdicos, contra o quitinoso. O Livro de Manuel foi uma tentativa de desquitinizar esses preâmbulos revolucionários que vagamente apareciam na Argentina e que não chegavam a coalhar. Esse livro foi escrito quando os grupos guerrilheiros estavam em plena ação. Eu havia conhecido pessoalmente alguns de seus protagonistas aqui em Paris, e ficara aterrado com o sentido dramático, trágico, de suas ações, nas quais não havia o menor resquício para que entrasse sequer um sorriso, e muito menos um raio de sol.

Me dei conta de que essa gente, com todos os seus méritos, com toda sua coragem e com toda a razão que tinham de levar adiante a ação, ainda que chegassem a cumpri-la e que fossem até o final, a revolução que produziriam não seria a minha Revolução. Seria uma revolução quitinizada e estratificada desde o começo. O Livro de Manuel é um desafio, mas não um desafio insolente ou negativo. É um desafio muito cordial: os personagens são vistos com toda a simpatia possível. Por exemplo: Marcos, o chefe desse grupo de guerrilha urbana, que estava um pouco de férias pela Europa no momento. Ele mesmo discute com seus amigos, se não esse problema, problemas paralelos. Eu não os agredia, muito pelo contrário. Se tivesse vontade de agredi-los, não teria escrito a novela. Não só não era um ataque, mas sim uma tentativa de colocar no bolso deles um livro que talvez os tivesse ajudado um pouco.

*[Fragmento de uma conversa entre Omar Prego e Julio Cortázar, tirada de “La fascinación de las palabras” de Omar Prego y Julio Cortázar (1985). ©1997 Alfaguara]